Diário do Alentejo

Não às águas em baixa. Está claro como a água porquê!
Opinião

Não às águas em baixa. Está claro como a água porquê!

Nelson Brito, presidente da C.M. de Aljustrel

25 de julho 2019 - 16:30

No final de junho passado, assembleias municipais do distrito de Beja chumbaram a adesão destes municípios à empresa Águas do Baixo Alentejo, processo que iniciaria a possível junção de oito municípios da região (Aljustrel, Almodôvar, Barrancos, Beja, Castro Verde, Mértola, Moura e Ourique) à empresa pública Águas de Portugal, na gestão dos sistemas municipais em baixa. Este é um processo que dura há mais de uma década e que importa enquadrar para memória futura.

A 25 de setembro de 2009 foi criada a empresa AgdA – Águas Públicas do Alentejo, S.A., como acionistas a AdP – Águas de Portugal, SGPS, S.A. e a Amgap – Associação de Municípios para a Gestão da Água Pública do Alentejo, constituída por vários municípios alentejanos. A AgdA é uma empresa de capitais públicos e tem como missão proceder à exploração e à gestão em alta dos serviços de água relativos ao Sistema Público de Parceria Integrado de Águas do Alentejo, em regime de parceria pública.

 

Em 2009, quando esta parceria foi constituída, a maioria destes municípios era liderada pela CDU. Os autarcas desse tempo não só deram “luz verde” para avançar com a intermunicipalidade na gestão da água em alta, como enalteceram de forma veemente as virtudes dessa opção. Por exemplo, o presidente da Câmara Municipal de Aljustrel, em 2009, eleito pela CDU, afirmava que as autarquias "deverão assumir um papel estratégico na gestão pública da água", considerando a criação de empresas intermunicipais como a opção "mais prudente" para o desenvolvimento e gestão de sistemas de abastecimento de água e saneamento no Alentejo, acrescentando que "só as empresas intermunicipais poderão garantir a manutenção do uso da água como um bem público".

 

Na mesma bitola alinhava o então presidente da Câmara Municipal de Moura, também ele eleito pela CDU, afirmando: “Trata-se de um bom exemplo de modelo de gestão que garante a defesa da água pública, permitindo ao mesmo tempo a mobilização de recursos (humanos, técnicos e financeiros) indispensáveis a uma gestão eficaz e eficiente da água…”.

 

Se este era o pensamento da CDU para a gestão da água, por que razão alteraram/mudaram de pensamento/orientação e chumbaram nas assembleias municipais referidas a transposição do mesmo modelo para a gestão da água em baixa? O que mudou desde 2009? A resposta é simples: a única coisa que mudou foi que, agora, a CDU é minoritária na sua representação na região e usa este tema fundamental, recorrendo à mentira para influenciar e atrair as pessoas para um discurso que tem apenas fins eleitoralistas e partidários.

 

Confesso que fiquei atónito com o comportamento dos eleitos da minha região que inviabilizaram a aprovação desta importante proposta, colocando em cheque a qualidade de vida não só dos cidadãos dos concelhos que os elegeram, como de todos os outros cidadãos que vivem no conjunto do território, que irão acabar, por arrasto, penalizados por este tacticismo partidário. Das duas, uma: ou desconhecem o teor da proposta em causa e o seu histórico – o que é mau; ou fazem tábua rasa do passado, para assim influenciarem a opinião pública – o que é igualmente mau!

 

Sejamos claros sobre o que está em causa neste tema da água e sobre as mentiras que alguns andam a contar às pessoas:

– Há risco de privatização da água. Mentira! A proposta consistia, exclusivamente, numa parceria pública, não existindo, como não existiu em 2009, qualquer risco de privatização da água, visto que os estatutos da entidade em questão previam que o capital social seria sempre, e pelo menos, 51 por cento pertença de entidades públicas;

– O preço da água iria aumentar por causa da empresa a formar. Mentira! A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos já confirmou que o custo da água tenderá para parâmetros do nível do utilizador pagador. Ou seja, não seria a constituição desta opção que condicionaria o preço da água. Bem pelo contrário, porque sem a modernização das redes de abastecimento, e consequente eliminação de perdas no sistema em baixa, dificilmente o preço da água não será aumentado nos próximos anos, tendo-se perdido a possibilidade de aceder a financiamentos comunitário, na ordem dos 86 milhões de euros, precisamente para a modernização do sistema;

– Os trabalhadores afetos às águas e saneamento nos municípios e na EMAS – Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja perderiam direitos caso transitassem para esta empresa. Mentira! Seriam dadas todas as garantias ao trabalhador que não existiria qualquer perda de direitos.

 

Neste processo vários aspetos me deixaram absolutamente perplexo. Desde logo o facto de autarcas que, em 2009, pediram aos seus munícipes para confiarem na sua palavra, quando aprovaram a gestão partilhada da água em alta, terem vindo agora acenar com o fantasma da privatização da água, desconfiando dos atuais autarcas, apenas porque estes são eleitos por outra força política. Não aceito. Não aceito que a minha dignidade e a dos meus colegas autarcas seja posta em causa desta forma. Será essa geração de autarcas mais defensora do interesse público do que a atual?

 

Então, se defenderam, de forma tão acérrima, a intermunicipal da gestão da água em alta, afirmando que o sistema poderia colapsar por estar fragmentado numa lógica concelhia, por que razão essa mesma posição não se aplica agora à gestão em baixa? Ficarão todos os que impediram esta importante decisão registados na história pelo erro que cometeram, prejudicando o território e as populações por via de uma mentira, vedando-lhes a oportunidade de modernizar as suas redes de abastecimentos água.

 

E tudo isto acontece num contexto em que se prevê o aumento das secas e da escassez de água, por via do aquecimento global, deixando estes municípios privados de dezenas de milhões de euros de investimento, apoiado por fundos comunitários, para a adequação dos seus sistemas de abastecimento de água, seja na redução de perdas, seja na prevenção do mau uso das águas (rega, indústria, etc.), seja na melhoria e aperfeiçoamento dos sistemas de cobrança, seja, inclusive, na melhor adequação destes sistemas a realidades sociais especificas – as chamadas tarifas sociais.

 

Bem sabemos que também existiam riscos na gestão intermunicipal da água. Sabe-se que, atualmente, os sistemas em baixa nos vários concelhos são cheios de “truques e artimanhas”, que apenas os trabalhadores municipais conhecem e que vão “remendando” à medida das ocorrências do dia a dia e que, sem cadastros adequados, a transição para um novo modelo poderia demorar a “olear”. Ninguém nega que haveria sempre prós e contras, como em qualquer opção na vida. Mas o que não podemos aceitar é deixar tudo como está, com 40 por cento a 50 por cento de perdas, isto é, em cada 100 litros de água que chega a cada domicílio (à sua casa) continuarão a perder-se nestes territórios cerca de 40 a 50 litros de água, que é paga pelo erário público camarário. O que não podemos aceitar é não fazermos nada relativamente ao mau uso e não contabilização da água tratada consumida pelas próprias autarquias. O que não podemos tolerar mais são as dívidas acumuladas de consumidores, excecionados aqueles que têm dificuldades económicas abrangidos pelas medidas sociais de descriminação positiva no pagamento.

 

As minhas últimas palavras vão para os autarcas que se bateram pela verdade neste processo. Os vossos concidadãos saberão avaliar o que se passou, valorizando quem o merece e penalizando os que, recorrendo à mentira, procuram impor uma agenda partidária, que vai absolutamente contra os interesses das pessoas e do território. A história julgará uns e outros – está claro como a água!

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