Diário do Alentejo

Que fazer com este fórum?
Opinião

Que fazer com este fórum?

Santiago Macias, historiador

21 de junho 2019 - 11:00

A área é considerável e põe problemas que não são fáceis de resolver. São cerca de 2000 metros quadrados no coração da cidade de Beja. É parte do fórum, ou seja, do antigo coração cívico da cidade, o local de encontro dos cidadãos. São 2000 anos de História, sobrepostos e cruzados, como se de um “mikado” se tratasse. Os trabalhos arrancaram em 1997. Esperava eu, e acompanhei o processo desde o início, que Beja conseguisse vencer os espíritos negativos que, há muito, acompanham a arqueologia na cidade. Não será demais recordar que Abel Viana, a grande figura da arqueologia da região no século XX, nunca conseguiu realizar uma campanha arqueológica sistemática em Beja. E que o sítio do Sembrano passou por um longo e muito tormentoso processo para ficar resolvido com a atual solução.

No momento em que as escavações arrancam, a Maria da Conceição Lopes está muito perto do final da sua tese de doutoramento. A qual partia de Beja, para se lançar numa interpretação do território, que continua hoje a ser a grande referência para a leitura da região nas épocas romana e pós-romana. Com relativa surpresa, constatou que o coração da velha Pax Iulia estava melhor preservado do que os esquiços feitos por Abel Viana na década de 40 deixavam antever. A arqueóloga acabou por escavar dois templos Ou seja, a construção do depósito de água não viera destrui-los, situando-se antes numa zona limítrofe. À complexidade dos vestígios romanos, da Antiguidade Tardia, do período islâmico, veio juntar-se a raridade de uma casa da moeda, que a cidade albergou no final da Idade Média. A cidade conheceu, ao longo de pouco mais de 20 anos, cinco presidentes de câmara. A escavação foi avançando, não sem sobressaltos. Nos últimos tempos avançou um projeto de reabilitação do sítio. O processo entra num impasse e surgem, na imprensa, referências a um “templo” transformado em campo de papoilas. Começa a polémica e surgem números e mais números. Quanto se gastou em projetos, quanto custaram as escavações, quem fez e quem deixou de fazer. Torna-se aflitivo ver como as coisas se repetem e como os espíritos negativos voltam a pairar sobre a arqueologia da cidade.

O conflito de pouco nos serve… Sem entrar na polémica em torno do projeto de arquitetura e do futuro das estruturas arqueológicas, gostaria de deixar aqui alguns tópicos para reflexão:

1. A leitura de espaços como o dos templos de Beja só consegue ser feito através da sua “verticalização”. Muitos teatros romanos, muitos arcos do triunfo foram refeitos e reerguidos. O processo é conhecido pelo nome de anastilose, um “palavrão” que se refere à (re)construção a partir de elementos previamente existentes.

2. Não me parece disparatado que, nesse processo, se incorporem no fórum elementos arquitetónicos de grandes dimensões – designadamente, capitéis – que hoje se encontram na galeria do Museu Regional.

3. Ou seja, que estabeleça uma ligação próxima entre estes vestígios, absolutamente notáveis, o Museu, que dispõe também de outros materiais de grande qualidade, o sítio arqueológico de Pisões e o núcleo da Rua do Sembrano.

4. É crucial criar condições para que as escavações arqueológicas se concluam, prevendo-se um programa de edições destinado a uma ampla divulgação dos resultados e das conclusões a que se chegou. Incluo aqui a Casa da Moeda, peça crucial no processo de investigação que Maria da Conceição Lopes tem em curso.

5. Não creio que seja possível pôr em funcionamento todo este complexo de sítios – por vezes a razoável distância, como Pisões –, com o habitual e rígido programa: cada sítio com o seu núcleo de exposições, com horário fixo e quadro de pessoal próprio. Ou há um plano em rede, com partilha de recursos, e com intervenções concretas e realistas ou daqui a 10 anos estaremos na mesma. Ou pior, discutindo a privatização ou a alienação de sítios.

A tomada de decisões sobre o património, na perspetiva da sua reabilitação, nem sempre é “simpática”. Nem imediata. É mais fácil “feirizar” a História, criar “eventos” e complementá-los com iniciativas folclóricas. Dá muito menos trabalho e rende mais, no curto prazo. Ora, como bem sabemos, e tendo em conta o que nos resta do fórum, o Património é matéria para o longo prazo.

 

 

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