Diário do Alentejo

A importância dum Estado menos centralista
Opinião

A importância dum Estado menos centralista

José Alberto Fernandes, professor catedrático

03 de junho 2019 - 16:00

Visto de quem vem de fora, surpreende a qualidade dos convidados naquela que é já a 4º edição das Conferências de Aljustrel, tendo por tema Descentralização e Programações para o Desenvolvimento dos "Interiores", com Coesão Territorial Nacional. O hotel e o jantar de véspera preparam para o melhor. De manhã, depois dos cumprimentos à entrada do Auditório Municipal, a hora é de “afinar os ouvidos”.

 

Para começar ninguém melhor que Carlos Miguel, logo após as palavras de boas vindas do Presidente da Câmara que nos faz sentir em casa, ao mesmo tempo que reforça a importância da regionalização e a necessidade de desmontar a ideia que serve para dar lugares a políticos, quando é tão importante para as pessoas e não para políticos.

 

O Secretário de Estado das Autarquias, tal como o Primeiro Ministro, tem a vantagem de ter sido autarca e saber o que custa em concreto, às pessoas, o centralismo. Os anos que passa um aparelho de ar condicionado à espera de reparação num centro de saúde em Torres Vedras é disso boa ilustração. Parecendo evidente a vantagem, não tem sido pouco o esforço para quem quer descentralizar, face à necessidade de informar os municípios – por vezes mais orientados por ditames partidários que por racionalidade, digo eu – e, sobretudo, de convencer ministérios e direções gerais excessivamente preocupados na proteção dos seus pequenos poderes.

 

Berta Nunes e Rui Tavares foram os parceiros de debate de Carlos Miguel. Numa conversa que se alargou ao público e onde pairou a regionalização, vista por praticamente todos como o processo mais adequado para responder às necessidades que se colocam a um nível inferior ao central. Relativamente ao processo de descentralização que o Governo leva a efeito, com transferência progressiva de competências para todos os concelhos, houve consenso no apoio, tendo Alfandega da Fé (de Berta Nunes) abraçado já todas as competências previstas. Percebeu-se que tínhamos mulher com gosto por desafios, com a convicção que, regra geral, se faz melhor mais perto das pessoas e sob o seu olhar fiscalizador que desde o “Terreiro do Paço”.

 

Na segunda mesa não apenas os ouvidos que estiveram atentos, já que a língua também teve de se mexer. A companhia foi ótima: Hélder Guerreiro (Comissão Diretiva do Alentejo 2020) e Paulo Fernandes (Presidente da Câmara do Fundão). Sem desprimor para o primeiro, foi inspiradora a intervenção do segundo, pela forma como explicou a mudança duma pequena cidade, gerida por uma câmara praticamente falida. De facto, apesar do centralismo e de contextos difíceis (eram tempos de “troika”), muito pode ser feito a nível local, desde o “interior” e/ou territórios de baixa densidade, quando se aposta na abertura ao mundo e se premeia o talento. E, afinal, como se sublinhou, a densidade populacional até é menor para lá da fronteira com Espanha do que entre nós e, curiosamente, o território mais populoso e mais rico na Península Ibérica é Madrid que fica bem no interior. Por isso, ser do “interior” ou de “baixa densidade” é uma característica e não um problema. Como bem sabem muitos dinamarqueses ou noruegueses, no Fundão, ou em Campo Maior, onde os níveis de riqueza são claramente superiores aos de Celorico de Basto ou Cinfães.

 

A necessidade de políticas de base territorial fez o consenso, considerando-se em geral – e no debate com a assistência – que o centralismo é um enorme entrave ao desenvolvimento do país, pois que os setores e os ministérios não se cruzam para aumentar a eficiência e responder com mais eficácia às necessidades e expetativas das pessoas. Talvez que a alteração do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território seja uma boa oportunidade e – sonhemos – pode ser que o dinheiro europeu deixe de servir sobretudo para financiamentos e investimentos controlados desde os ministérios e direcionados em boa parte ao Estado, empresas e outras instituições situadas próximo de Lisboa!

 

As conferências encerraram-se com uma intervenção de Helena Freitas e as palavras finais do Presidente Nélson Brito. Mas, de facto, nada se encerrou. Não apenas porque no dia seguinte nos reunimos de novo, a visitar espaços ligados às minas da faixa piritosa, como os debates nunca acabam, para quem queira aprender e, no caso, não desista de procurar melhorar a nossa vida coletiva. Viva a aprendizagem; viva o debate; viva Aljustrel. Em 2021 há mais!

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