Diário do Alentejo

Adeus, Fernanda Mestre
Opinião

Adeus, Fernanda Mestre

Paulo Bernardino, locutor

31 de maio 2019 - 21:30

Eu não tinha mais do que 14 ou 15 anos. Era um puto determinado quando decidi interpelar esta senhora em plena praça da República – no caminho que ela todas as noites percorria entre a sua casa e as instalações da Rádio Voz da Planície –, para me apresentar e dar-lhe conta da minha enorme vontade em aprender com ela a ser um bom comunicador.

 

Ela, mulher educada e dona de uma sensibilidade apurada, acolheu-me de braços abertos e jamais me largou a mão. Ficámos amigos para a vida toda.

 

Nos primeiros anos do meu percurso radiofónico tive o privilégio de frequentar a sua casa, espaço de muitas memórias, onde os livros e os discos de vinil ocupavam os mais nobres lugares. Sobretudo os livros dos poetas. E não raras vezes nos demorávamos a ler Sophia ou o seu tão querido Ary dos Santos – sim, a Fernanda era comunista, humanista e feminista, daquelas que sonham com um mundo novo onde a Mulher surge como protagonista da sua própria história.

 

Juntamente com o Carlos Cavaco, a Fernanda Mestre foi, de longe, a voz mais marcante da rádio em Beja. Inicialmente na Rádio Voz de Beja que, mais tarde, com o processo de legalização das rádios piratas, haveria de adotar a designação de Rádio Voz da Planície. Foi fiel a esta casa uma vida inteira.

 

Nascida em Alfama, no coração de Lisboa, haveria de encher-se de amores por Beja. Trouxe consigo o fado e divulgou-o durante muitos anos nas ondas da rádio. Tal como fez comigo, também soube dar a mão a muitos jovens talentos do fado que hoje têm carreiras consagradas, sendo disso exemplo o grande António Zambujo ou a Ana Sofia Varela.

 

E numa época em que ainda não valorizávamos devidamente o cante alentejano, foi esta lisboeta quem lhe deu espaço em antena, escancarando as portas da rádio aos grupos corais de toda a região.

 

A doença obrigou-a a despedir-se da sua telefonia. Mas a rádio haveria de homenageá-la em vida, dedicando-lhe a ela e ao Carlos Cavaco enorme e merecida homenagem na sua gala do 30.º aniversário.

 

Hoje a rádio chora. Partiu a Fernanda Mestre.

 

Obrigado por tudo, madrinha.

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