Diário do Alentejo

Alentejo: identidade(s), diversidade(s) e desenvolvimento(s)
Opinião

Alentejo: identidade(s), diversidade(s) e desenvolvimento(s)

Manuel Maria Barroso, Técnico Superior

10 de maio 2019 - 09:00

O que é o Alentejo? O que é a identidade alentejana? Há um único Alentejo? Há coesão em todo o Alentejo? O que é o Baixo Alentejo? Há uma identidade baixo-alentejana? Estas podem ser algumas, entre muitas, questões que se nos podem colocar. 

 

Obviamente que o presente artigo não pretende ter a veleidade de responder adequadamente a todas estas questões. E, de igual forma, não pretende apresentar a multiplicidade de argumentos existentes, com as respetivas fundamentações, quer para o conjunto dessas matérias (na tentativa de criar ou sugerir algum tipo de classificação, por exemplo) ou, muitíssimo menos, responder a cada uma das questões apresentadas. Tal exercício seria tão complexo no plano de uma possível parametrização da identidade alentejana e das suas sub-regiões, como, aliás, da própria organização formal do território. 

 

Embora, aqui ou ali, se possam observar indicadores que sugerem alguma coesão identitária, quer no território e organizações, quer no comportamento (em especial, nas dimensões etnológica e sociocultural) das suas gentes, na verdade, a diversidade é, no meu entender, muito grande. A título de referência, para apenas falar de três binómios definidos por seis lindíssimas terras e pelos territórios físicos e sociodemográficos que as medeiam, de Nisa a Odemira, de Alcácer do Sal a Barrancos ou de Sines a Mértola, constatamos uma muito significativa diversidade e assimetrias diversas… a todos os níveis! Atenção. Sem esquecer que concelhos como Rio Maior, Santarém ou Salvaterra de Magos, por exemplo, estão integrados numa designada NUT II Alentejo, como veremos mais adiante. 

 

E a questão que imediatamente surge poderá ser: “Esta diversidade poderá agregar uma ideia identitária de um só Alentejo?”. Apesar disso, conhecendo eu – por razões profissionais e ao longo de um espaço de tempo muito considerável – todo o território formalmente designado por Alentejo (com a exceção da NUT III Lezíria do Tejo), quer ao nível geográfico, quer ao nível das respetivas organizações e das dinâmicas socioculturias e económicas, reduzo-me à “confortável opinião”, dizendo: tenho muitas dúvidas! Todavia, tal opinião não implica qualquer desconforto por esta ou aquela posição; apenas entendo que, pela complexidade do assunto, talvez seja mais racional equacionar a multiplicidade de variáveis em presença e procurar algum tipo de resposta em fatores que possam contribuir para a construção de um futuro de progresso geral e de dignidade de vida para as pessoas que vivem, por nascimento ou por outra qualquer circunstância, em qualquer lugar do “Alentejo”.

 

A diversidade – ou melhor, a desordem – que se verifica nas formas como são configuradas as diferentes administrações neste terço do território português continental é apenas mais um identificador do que venho referindo. Com efeito, na “metamorfose mais recente” – embora não substituindo nos limites, os velhos “distritos” – verificamos que, segundo as normas estabelecidas nos estados-membros da União Europeia para a organização das divisões regionais (as NUT – abreviatura de Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos), o “Alentejo” (enquanto unidade regional) é entendido como uma NUT II (NUTS 2), no quadro de outras seis homólogas regiões em Portugal (quatro no continente e duas nos territórios das regiões autónomas: uma nos Açores e outra na Madeira). Por sua vez, a NUT II Alentejo é a agregação de cinco outras divisões de menor dimensão neste sistema europeu, as NUT III (ou NUT 3), mais recentemente configuradas como entidades intermunicipais: as NUT III Lezíria do Tejo, Alto Alentejo, Alentejo Central, Baixo Alentejo e Alentejo Litoral. No caso da região Alentejo, estas unidades territoriais são definidas pelo que atualmente se designa comunidades intermunicipais. 

 

Porém, estas não são as únicas divisões do “Alentejo”. Pensemos, a título de exemplo, nas formas – nem sempre coincidentes no território – de serviços das diferentes administrações, designadamente, nos mapas territoriais para os serviços de justiça, segurança social, militar e militarizado, religioso, agrícola, fiscal, etc.. A título de exemplo, pensemos na complexa harmonização de serviços em concelhos como Odemira, concelho do círculo eleitoral e distrito de Beja que pertence à NUT III Alentejo Litoral e que, para efeitos de organização intermunicipal, tem uma relação direta com Santiago do Cacém, Grândola ou Sines, concelhos estes pertencentes ao distrito, círculo eleitoral e serviços de segurança social de Setúbal (e… pasme-se que pertence a outra NUT II – Área Metropolitana de Lisboa). 

 

De igual forma, a “confusão” pode ser vista em outro exemplo, igualmente complexo, a norte da NUT II Alentejo, na sua NUT III Lezíria e Vale do Tejo, onde, esta última divisão contempla 11 concelhos de notória e tradicional “cultura” ribatejana (Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém) … E a pergunta que me ocorre de imediato pode ser a seguinte: “Que relação identitária tem Rio Maior ou Santarém, por exemplo, com Alvito ou Marvão?”.

 

Ora, reiterando a complexidade inicialmente considerada, o regresso à questão das identidades, quer sobre a identidade “Alentejo”, quer especialmente no âmbito da identidade “Baixo Alentejo”, há muito por fazer, em especial sobre as consequências de tal heterogeneidade na coesão territorial e no respetivo desenvolvimento. No caso do nosso Baixo Alentejo (nas mais diversas configurações) não está tudo por fazer, porém, muito terá que ser pensado e aplicado em prol do desenvolvimento. O nosso “cluster idiossincrático” ou a especificidade das nossas terras, organizações e gentes merecem muito mais, pois, como se tem visto ao longo dos tempos, o reiterado esquecimento perpetrado por um certo “outrem global e mais ou menos distante” acaba por travar, ou incomodar, os impulsos que ainda se vão fazendo aqui ou ali.

 

Termino, deixando nota que os baixo-alentejanos, onde me situo, também têm identidades… Desde logo as respetivas identidades pessoais, mas mais importante que as coisas no singular, são os valores identitários (singulares e plurais) das nossas gentes, onde não tem havido adormecimento, mas sim, a adversidade de sucessivas administrações (nacionais, reginais e/ou locais) que eclipsam de forma deliberada (ou não) os fatores básicos para o desenvolvimento. Sob o meu ponto de vista, a melhor estratégia poderá passar pela partilha de informação, pela construção de reforços identitários e pela aplicação das medidas adequadas para um futuro próspero em democracia e em liberdade. É esse o fundamento desta minha partilha.

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