Diário do Alentejo

Nada mais havendo a acrescentar ... Influenza
Opinião

Nada mais havendo a acrescentar ... Influenza

Vítor Encarnação, professor

26 de dezembro 2025 - 12:00

Tenho boas recordações das gripes. Parece estranho, mas confesso que conseguia encontrar sensações agradáveis no meio da febre e da tosse. Havia um conforto no meio dessa prostração, descobria prazer entre as dores do corpo. Esta certeza foi construída na infância, a temperatura a subir, as pernas a fraquejarem, a cabeça a doer, o frio a apoderar-se dos ossos, o meu corpo franzino a sucumbir, o tempo a deixar de ser horas e minutos e passar a ser uma coisa vaga, febril, adormecer e acordar para tomar os comprimidos e o xarope, um chá de limão e bolachas Shortcake, a canja da minha mãe, um bocadinho de frango, mais caldo que arroz, a canja da gripe era a melhor de todas, dois ou três dias sem ir à escola, poder ficar em casa, de pijama, resguardado do mundo, a ouvir os barulhos que chegavam ao silêncio do quarto, os talheres na cozinha, o cão no quintal, um carro na rua, se chovesse ainda era melhor. Depois adormecia e a febre desenhava alucinações no branco dos lençóis. Talvez seja quando fazem dezoito anos que os homens começam a achar que a gripe é a antecâmara da morte. Se o termómetro sobe, o pânico apossa-se do pensamento, havendo tosse há logo uma pneumonia, os comprimidos são inúteis perante tal enfermidade, a mulher desvaloriza tamanho padecimento, minha bela mãezinha, ninguém conseguir imaginar o que um homem sofre quando é apanhado pelo vírus. Na infância, as gripes tinham uma aura de romantismo. Mas agora já não têm, já não sinto prazer nas dores nas articulações, já não há conforto no meio do abatimento, de tudo o que gostava talvez só reste a canja, continua a ser um bocadinho de frango, mais caldo que arroz, a canja da gripe ainda é a melhor de todas.

Comentários