Não, não é verdade que tenhamos de ser todos amigos no local de trabalho ou nas relações institucionais. Esta falsa premissa torna-se muitas vezes o oco conteúdo de um debate ou de uma reunião. Eu não te confronto, tu não me confrontas, eu não te chateio, tu não me chateias, eu faço que não sei e que não vejo, tu fazes que não sabes e que não vês. Este acordo é um pântano, uma preguiça, uma acomodação, uma falta de coragem. Desse pacto raramente sai algo substancial ou dinâmico, as partes preferem calar-se quando a voz é necessária e abster-se quando o posicionamento é indispensável. Anula-se tudo o que é incómodo e adiam-se todas as decisões difíceis. É no seio desta aparente paz que vivemos todos, sempre cuidadosos para não ferirmos suscetibilidades, sempre cordatos para que todos gostem de nós e espalhem a notícia da nossa bondade e da nossa constante ausência de perguntas ou opiniões, sempre disponíveis para concordarmos com tudo, ainda que não tenhamos analisado nada do que nos foi solicitado, sempre compreensivos para com a inobservância das leis, a ultrapassagem de prazos e o incumprimento do projetado e prometido. É neste registo de fantasia que passamos muitos dos nossos dias, sem nos inquietarmos, sem questionarmos, sem confrontarmos, sem pedirmos contas. As pessoas conhecem-se, as pessoas vivem na mesma terra, as pessoas conhecem a família, as pessoas frequentam os mesmos locais. Um comportamento assertivo e ousado não existe para gáudio pessoal, ele é absolutamente necessário, porque só através do debate, da argumentação e da contenda se conseguem verdadeiras mudanças. Às vezes, confesso, espanta-me como é que algumas coisas ainda funcionam.