Diário do Alentejo

Os “putos” e a bola saltitante
Opinião

Os “putos” e a bola saltitante

José Saúde

21 de outubro 2025 - 08:00

Cantava, com aquela belíssima voz que Deus lhe deu, o saudoso Carlos do Carmo, num fado intitulado “Os Putos”, esta pequena estrofe: “Uma bola de pano, num charco/Um sorriso traquina, um chuto/Na ladeira a correr, um arco/O céu no olhar, dum puto”. O mundo das crianças é simplesmente deslumbrante. Os “putos”, qual bando de pardais à solta, arquitetam fantasias, falam dos seus ídolos, elaboram imaginações, constroem núcleos de amigos, discutem os pormenores do futebol, sentem-se craques, não obstante as suas tenras idades, e atuam proficuamente em clubes ou associações. Para que a simultaneidade do acontecimento seja perfeita, envergam equipamentos de marca, botas e bolas da última geração, têm técnicos qualificados, entre outros adornos que os deixam extasiados. Numa reflexão a um passado onde fui ator, recordo outros tempos e dou por mim a viajar, a pé, para lugares onde a finalidade era um superabundante prélio. Peregrino, então, de uns dóceis anitos de existência, revejo os desafios entre os bairros de Beja, ou numa visita a Santa Clara de Louredo, Boavista, como sempre fora conhecida, ou a Vale de Vargo, freguesia situada nas proximidades da minha Aldeia Nova de São Bento, sendo que evoco, com enfâse, os combates corporais travados com as chuvadas de inverno, ou a canícula no verão, obstáculos completamente vencidos. Os “estádios” eram pequenos campos em terra batida, duas pedras que sinalizavam as balizas e a tática era tudo ao monte e fé em Deus. Com uma bola de trapos debaixo do braço, roupa domingueira, sapatos finos, mas só para aqueles que os tinham, e lá partia a moçada estrada ou rua fora. Agora, ao rever essas antiquadas configurações detenho-me perante novas realidades que deixam antever êxitos encantadores. A liberdade que nos fora, e bem, outorgada, consagrou-se o crescimento de novos atletas, multiplicaram-se os clubes, assim como as construções de infraestruturas e a vida desportiva caminha no trilho certo. Presenciei, recentemente, no campo de relva sintética do Centro de Cultura e Desporto do Bairro Nossa de Nossa Senhora da Conceição um torneio juvenil que reuniu mais de 200 atletas, distribuídos por 19 equipas e cujas idades se situavam entre os miúdos que nasceram dentro do espaço temporal de 2014 e 2020, os quais integravam as equipas do Bairro, Sporting, Benfica, Porto, Farense e 4 ao Cubo. Os árbitros, filiados no Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja, sempre atenciosos, exerceram um trabalho pedagógico e o público, que era muito, regalou-se com a entrega dos jogadores em cada encontro disputado. O emblema do Bairro, assim como Beja, voltaram a reunir gentes de vários locais e a cidade certamente agradeceu. Os “putos”, e a bola saltitante, foram incansáveis ao longo de cada jogo disputado.

Comentários