Despeço-me do verão sem mágoa, nada tenho contra os incêndios de luz, não me oponho ao azul cerúleo nem ao amarelo telúrico, não me aflige o silêncio pastoso das tardes, mas gosto deste ir morrendo dos dias.
Ir morrendo é um gerúndio castanho que se vai conjugando aos poucos. O verão é um cansaço, é uma cama a ferver, o sono impossível durante a noite, uma dormência durante o dia, um conluio entre a claridade e o fogo, uma estranha ausência de inquietação.
Despeço-me do estio sem saudade, hei de sentir falta dele quando o frio me tiver derrubado por pensar de mais, mas até lá, até dobrar terras lavradas, dióspiros, rábanos, bolotas, chuva, vento, lenha, lume, vinho tinto, noites escuras, casacos, botas, pijamas, não sentirei falta dos dias de brasa.
Prefiro o que aí vem, já dobrei tantos verões na minha vida que sei o que me espera, sei o que espero.
Gosto de sentir o Sol mais suave, gosto de o ver mais humilde, os velhos a conseguirem suportar o seu peso, as manhãs a crescerem sem que as paredes comecem a arder antes do meio-dia, os pássaros desafogueados, as flores verticais.
Prefiro o que recomeça, preciso de recomeçar, um tempo novo, um caderno novo, um recolhimento, uma aceitação da caducidade e da procura da semente que está algures guardada dentro do pensamento. À semente junta-se água das nuvens, junta-se vento, junta-se azinho, junta-se pão, junta-se silêncio.
E a semente há de dar fruto, quanto mais não seja um fruto de que só eu gosto, esse doce fruto que amadurece nos ramos da minha contente solidão. A morte do verão não é triste, porque quando o Sol se põe mais cedo e os pássaros esmorecem, a noite é um estonteante império de sentidos.