O Izidoro partiu para o céu dos cães. Se houver esse céu, coisa de que não duvido, o Izidoro foi para lá. O Izidoro tinha quinze anos, fazia dezasseis no dia um de julho, ainda há poucos dias apostei com ele que festejaríamos mais um aniversário, mas ele olhou-me com olhos fundos e cansados e com o silêncio do corpo magro e caído disse-me que não. Não mo disse com mágoa, acho que ele nunca soube o que isso era, a mágoa senti eu no meu pensamento e no meu peito. Há mais de trinta anos que eu tinha este nome guardado e um dia decidi concretizar o meu desejo de ter um cão-salsicha. Fui buscá-lo lá longe, apareceu de rabo a abanar, preto, pequenino, rasteiro, com um laço azul ao pescoço. Era o Izidoro, era ele o corpo para o nome que eu já tinha, era ele a consumação de uma ideia e de um sonho. Desde esse dia os meus passos foram os seus passos, o meu sorriso o seu rabo feliz, o meu colo a sua cama, as minhas mãos a sua língua. E todos os dias, ao fim da tarde, íamos os dois passear e não esqueçamos que quinze anos têm cinco mil quatrocentas e setenta e cinco tardes, imagine-se o amor e a cumplicidade que se constroem em tanta tarde, tanto que eu desabafei com ele, o que nós rimos, o que nós chorámos, tantas tomadas de decisão, e ele sempre a meu lado, mesmo sabendo que eu às vezes não tinha razão. Quando alguém não sabia de mim, chamava pelo Izidoro, era lá que eu estava, na casa de banho, no quarto, na cozinha, no quintal. O Izidoro era parte de mim, do meu corpo, da minha existência, do meu nome. Na nossa relação, eu não era um homem e ele não era um cão, éramos dois irmãos a brincar até adormecermos. O céu dos cães recebeu uma alma bonita. Adeus, Izidoro.