Quando nos morre um pai ou uma mãe nascemos do ventre vazio dessa morte. Nascemos como se nasce, a chorar, frágeis, desprovidos de equilíbrio, desprovidos de palavras. Mulheres e homens grandes, adultos, experientes, acabados de nascer, obrigados a cortar o cordão umbilical dos abraços e dos beijos do pai ou da mãe.
Quando dos dois ainda fica um, tentamos contrariar a saudade, reorganizamos a ternura, concentramos o amor. Dos três ainda somos dois. É verdade que quando nascemos de dentro da morte de um pai ou de uma mãe, crescemos mais depressa, mas ainda assim cambaleamos, andamos perdidos no escuro das primeiras noites, na tristeza dos primeiros dias, caímos no caminho até à sepultura.
Quando nos morre um pai ou uma mãe o único conforto que temos é podermos ficar com um.
Mas depois de morrerem os dois, nascemos pela terceira vez e parece que estamos sozinhos neste mundo.
Dos três já não somos nenhum. Este é o nascimento mais difícil, mais doloroso, mais solitário. Mesmo que já sejamos pais, até avós, somos seres indefesos, tão pequeninos, obrigados a escolher a pedra de mármore, obrigados a aceitar que as nossas raízes secaram e apodreceram.
Órfãos, crianças acabadas de nascer, vamos à procura do colo dos filhos e dos braços dos netos. Só eles nos podem valer, só eles nos asseguram que agora somos nós as raízes, agora somos nós os dois pais ainda vivos, a carne dos abraços, a pele dos beijos.
Quando já não temos nem pai nem mãe o mundo fica diferente, a terra fica diferente, a casa fica diferente, o coração fica diferente. Tudo mais pequeno, tudo mais distante, tudo mais vazio. Dizem que é a lei da vida, mas a saudade não percebe.