Diário do Alentejo

O ódio escreve mal
Opinião

O ódio escreve mal

Vítor Encarnação

31 de maio 2025 - 08:00

Apenas os que ditam o ódio escrevem um pouco melhor. Saber ditar o ódio para que não se desperdice uma letra requer um certo domínio da regra do imperativo e das orações curtas. As orações têm obrigatoriamente de ser muito simples e retumbantes, privilegiando a forma em detrimento do conteúdo, porque as frases mais elaboradas são difíceis para quem as escreve, por dificuldade de construção, e inúteis, para quem as lê ou ouve, por ausência de capacidade de interpretação. O ódio não é analfabeto, mas nunca aprendeu verdadeiramente a escrever, só conhece e utiliza palavras com sentidos básicos. Por ter sido sempre um mau aluno, cábula, oportunista, não adquiriu competências que lhe permitam fazer uso da abstração e das restantes operações do intelecto. O ódio andou de ano em ano a ver se se safava, fazendo uso da violência e montando esquemas. Aproveitava-se dos bons alunos e quando já não precisava deles chamava-lhes marrões, betinhos, caixa de óculos. Era interessante ler o processo individual do ódio enquanto foi aluno, comparar a suas competências e capacidades de então com as suas intervenções e atitudes de agora. A diferença não deve ser muita. O ódio não lê livros e não quer saber de história, não consegue estabelecer uma relação entre duas ideias, não consegue raciocinar, apenas ouve, regista, repete e mimetiza tudo o que lhe é ditado. Orações necessariamente curtas, com sujeitos dominadores e verbos ácidos. O palavrão é a coisa que conhecem mais parecida com poesia e a ofensa com o resto da literatura. O ódio não se desenvolveu, o ódio regrediu, voltou às trevas, matou a criança que existiu em si, vive num buraco negro pensando que está a ver a luz.  

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