Diário do Alentejo

Para alguns dos meus antigos alunos
Opinião

Para alguns dos meus antigos alunos

Vítor Encarnação, professor

24 de maio 2025 - 08:00

Caros antigos alunos, não sei a quantos de vós me estou a dirigir, talvez a muitos, mas mesmo que seja só a um ou dois, é importante que vos diga que sinto que falhei.

 

Sinto que falhei todos os dias em que desvalorizei a vossa dormência, em que não exigi que me ouvissem e estivessem atentos à realidade, a um poema, a uma canção, a uma guerra, a uma vida.

 

Sinto que falhei quando não vos ensinei a comparar, a perguntar, a argumentar, a contrariar, a duvidar, principalmente a duvidar, os professores matam a dúvida com as soluções dos manuais, com as correções dos testes.

 

Devia ter-vos deixado duvidar muito e quanto mais criticamente duvidassem melhor nota teriam. Sinto que falhei quando não insisti mais e mais na bondade do humanismo, na importância das diferenças culturais, na criação artística, na riqueza da leitura e no poder da escrita. Falhei redondamente quando não vos dei a minha opinião sobre coisas reais, acontecimentos do nosso quotidiano, do nosso tempo, com receio de vos estar a impor a minha verdade e a minha autoridade.

 

Falhei quando insisti na gramática e nos inúteis trabalhos de casa, em vez de pararmos tudo porque era preciso falarmos olhos nos olhos e de coração aberto.

 

Eu que vos conheço desde tão tenra idade e só vos deixei quando já eram homens e mulheres, falhei quando não fui capaz de vos explicar que as crianças e os adolescentes são recetores de tudo o que ouvem e veem, as palavras, os gestos, os atos, e por isso moldadas, amadurecidas, pela sua circunstância e pelos adultos que os rodeiam. Devia ter-vos dado mais horizontes, mais palavras, mais gestos, mais exemplos. Eu poderia ter sido um melhor exemplo.

Comentários