Diário do Alentejo

Regionalização e o vazio que alimenta  os extremos: o caso  do Alentejo e do Algarve
Opinião

Regionalização e o vazio que alimenta os extremos: o caso do Alentejo e do Algarve

Tiago Encarnação

23 de maio 2025 - 12:00

Em 2025, Portugal continua a ser um dos poucos países da União Europeia sem regiões administrativas efetivas. A regionalização – uma promessa constitucional – tem sido constantemente adiada, muitas vezes por cálculo político, outras por receio da complexidade institucional que acarretaria. No entanto, os custos da sua ausência são cada vez mais visíveis, nomeadamente, com o crescimento da extrema-direita em territórios onde nunca teve uma presença significativa. Os distritos do Alentejo e do Algarve são exemplos desta dinâmica.

 

O vazio institucional e o ressentimento periférico A ausência de estruturas regionais eficazes contribui para um sentimento generalizado de afastamento do poder central. Cidades como Beja, Évora, Portalegre ou Faro sofrem uma dupla marginalização: geográfica e decisória. A perceção de que Lisboa decide por todos, ignorando as especificidades locais, alimenta a desconfiança no sistema democrático.

 

Entre 2019 e 2025, o partido Chega passou de uma irrelevância eleitoral a um crescimento galopante nestas regiões: – No distrito de Beja passou de 0,9 por cento em 2019 para 27,73 por cento em 2025, sendo o partido mais votado;– No distrito de Faro, de 1,5 por cento para 33,90 por cento, vencendo em 11 dos 16 concelhos;– Em concelhos como Alcoutim, Loulé, Silves e Olhão, o Chega obteve entre 29 e 33 por cento, liderando a votação.Estes números não representam apenas uma mudança eleitoral. São um sintoma de mal-estar profundo e estrutural, que encontra eco em discursos de protesto e rejeição das instituições.

 

Fragilidades locais sem resposta adequada A ausência de regiões impede respostas adaptadas aos problemas locais, que são múltiplos:– O Alentejo é uma das regiões mais envelhecidas do País, com 28,1 por cento da população acima dos 65 anos (INE, 2023);– Muitos concelhos perderam até 20 por cento da população na última década;– A emigração jovem e a escassez de oportunidades alimentam a apatia ou o voto de protesto;– No Algarve, a dependência do turismo e a precariedade sazonal fazem disparar o desemprego fora do verão;– O interior algarvio continua esquecido, sem investimento ou serviços públicos suficientes.A estes problemas somam-se falhas gritantes nos cuidados de saúde, transportes públicos escassos e oportunidades de formação limitadas.

 

Regionalização: resposta estrutural, não simbólica A regionalização daria aos territórios a capacidade de planear e implementar políticas públicas adaptadas às suas realidades. Não se trata de criar mais burocracia, mas de promover uma governação intermédia com legitimidade democrática e poderes reais.No Alentejo e Algarve isso poderia significar:– Políticas de habitação e regeneração urbana com financiamento próprio;– Estratégias locais de integração de migrantes;– Planos para atrair e fixar jovens qualificados;– Modelos de saúde e transportes adaptados à realidade territorial.Estes são apenas exemplos. O ponto essencial é este: a regionalização seria um instrumento de coesão democrática, travando a erosão da participação e o avanço de soluções extremistas.

 

Ou o Estado se aproxima, ou os extremos ocupam o espaço A extrema-direita não cresce no vazio, mas no abandono. E esse abandono tem uma face institucional: um Estado centralizado, lento e surdo às diferenças. No Alentejo e no Algarve a distância de Lisboa é também simbólica e política. É aqui que se geram os ressentimentos.A regionalização é uma emergência democrática. Não é apenas uma proposta administrativa: é uma estratégia de defesa da democracia. Se Portugal continuar a adiar esta conversa, pode ser demasiado tarde. Os sinais estão aí. E ignorá-los é um risco que não podemos correr.

Comentários