Conheço uma miúda que tem terra morena na pele e pássaros felizes nos olhos. Cheios de céu e de transparência, os pássaros que estão dentro das suas pupilas doces não param de voar quando nos olham. Já lá ouvi pintassilgos a cantar. Conheço uma miúda que tem asas no olhar, o seu olhar poisa em nós e nós vemos-lhe a alma bonita através da janela do sorriso. Conheço uma miúda que tem um sorriso do tamanho de um horizonte grande. E dentro desse horizonte há searas ao vento, gotinhas de água, saudades, ladeiras de montes, ramas de oliveira, romãs maduras no ramo, lírios roxos, montados, planícies, restolho e cal. Conheço uma miúda a quem foi deixada uma herança, os mais velhos partiram e escolheram-na para tomar conta da tradição. Nunca tiveram dúvidas que seria ela a mensageira que há de transportar a luz para nos iluminar os sentidos e este nosso jeito de ser. Conheço uma miúda que foi a escolhida, os deuses desta terra imensa não tiveram dúvidas em dar-lhe a chave da nossa identidade. Ela era ainda muito pequenina quando a recebeu mas soube sempre como usá-la, trouxe-a sempre consigo como traz o coração, como traz a pele, como traz os olhos, como traz o sorriso. A chave é a sua voz. A sua voz abre todas as portas das emoções, os pássaros felizes que vivem na sua boca não deixam nenhuma emoção por abrir. Conheço uma miúda que tem o Alentejo todo dentro da voz, a sua voz concentra tudo que existe à face, sobre e dentro desta terra, tudo o que é melodia, tudo o que é harmonia, tudo o que é cante, todos os sons que se roubam ao silêncio. Só os predestinados conseguem roubar sons ao silêncio. Conheço uma miúda que é uma predestinada.