Podemos olhar para um campo verde e ver só um campo verde, podemos olhar para o céu e apenas ver o azul, podemos olhar para o mar e não ver nada mais para além da água, podemos olhar para um quadro e só ver a moldura e as tintas, podemos ouvir música e só ouvir sons, podemos ouvir o silêncio e apenas escutar um vazio, podemos pegar numa mão e apenas sentir os dedos. Podemos ser concretos e não perder tempo com ideias e devaneios, podemos ser racionais e não nos fragilizarmos com emoções e poesias, podemos ficar à superfície e não mergulhar no âmago, podemos pôr pontos finais onde poderão estar reticências, podemos sentenciar onde pode haver argumentação, podemos proibir onde pode haver escolhas, podemos fechar portas para que ninguém passe além de nós e nos desconstrua. Podemos fazer isso tudo como se fôssemos detentores da verdade e da razão. Podemos olhar para tudo e não ver nada. Mas tristes são os homens e as mulheres que não percebem que o campo pode ser um céu cheio de erva e o céu pode ser um chão de água com nuvens e o mar pode ser uma moldura de sal com ondas de tinta e a música se pode ouvir com os olhos do coração e o silêncio pode ser uma mão a pegar na mão da música quando esta está a dormir e há um infinito vazio dentro de nós quando olhamos um campo todo verde e não conseguimos ver as duas papoilas que lá não estão porque estão dentro dos nossos olhos descobridores. Podemos não ser tão reais, deixemos a realidade existir das nove às cinco, depois disso podemos olhar com outros olhos, ver com a fantasia e edificar uma ilusão. Nós merecemos isso, não é descabido acreditar em papoilas que crescem na pele dos sonhos.