Diário do Alentejo

A força da raiz
Opinião

A força da raiz

Vítor Encarnação

29 de março 2025 - 08:00

Conheço um homem que não abandonou a raiz. Mesmo quando se confrontou com outras sensibilidades, outras alternativas, a raiz imperou e definiu o caminho. A raiz não sai de dentro dele e ele não sai de dentro da raiz. Ele e a raiz são a mesma coisa, a mesma terra, o mesmo ventre, o mesmo som, as mesmas mãos, o mesmo coração, o mesmo peito, a mesma boca, a mesma voz. Conheço um homem que tem uma voz que sabe a pão e quando ele a reparte saboreamos côdea, miolo, fermento, terra, semente. Quando ele nos dá a sua voz de trigo matamos a fome, ficamos saciados de memórias e dos colos das nossas mães. Conheço um homem que pegou na raiz, levantou-a e iluminou a tradição, fez-se ao caminho sem medo de estar a voltar para trás, ninguém volta para trás quando vai ao encontro dos seus, ninguém retrocede quando vai ao encontro da sua essência. Conheço um homem que nos põe dentro da sua voz, a sua voz é a nossa pronúncia, um serão, a soleira da porta, uma légua de palavras, um fogo aceso, um copo de vinho, um bocado de linguiça, o silêncio da lonjura, poejos e hortelã da ribeira, a morte dos nossos, o nascimento dos nossos. A sua voz é a casa onde moramos. Conheço um homem que sabe que não há futuro sem presente, nem presente sem passado. É da raiz que nasce o tronco e é da flor que nasce o fruto. A maior parte dos homens e das mulheres perderam a voz, a nossa voz, disseram-lhes que não valia a pena, que era tudo ridículo. Mas este homem que eu conheço encheu a boca de ar azul do horizonte e foi lavrar a terra já seca de vozes. Tocou-a com as mãos, regou-a com a garganta e hoje tem uma seara de vozes pequeninas. E quando a seara canta a pele do Alentejo arrepia-se. 

Comentários