O professor entrou na escola e cruzou-se com uma antiga aluna. Disse-lhe bom dia, mas a aluna não respondeu, disse mais uma, mais duas, mais três vezes, mas a aluna nem olhou para ele.
Quis ir atrás dela e obrigá-la a responder, quis impor logo ali a sua autoridade misturada com irritação, mas achou que seria melhor fazer uma ocorrência escrita. A aluna não se ficaria a rir da sua má educação.
Enquanto foi sua aluna e precisou da nota era só simpatia, agora nem se dignava a retribuir um simples cumprimento. Passou pela sala de professores e descarregou a sua indignação, gritou no corredor, foi à procura do diretor de turma, foi ler o regulamento da escola, foi ler o estatuto do aluno, foi ler o código de conduta, foi buscar o formulário da participação disciplinar, bebeu três cafés, ficou ainda mais nervoso, se todos fossem como ele não havia tanta indisciplina, era o que havia de faltar ser menosprezado por uma miúda, se lá em casa lhe ensinassem algumas regras estas poucas vergonhas não aconteciam.
Escreveu abundantemente, carregou nos adjetivos e nos juízos de valor, arrasou a formação da aluna e da família. Quando ia entregar a participação o docente cruzou-se novamente com a aluna e não conteve a fúria.
Invocou leis e regulamentos, proclamou moral, ética e bons costumes.
A discente quis dizer qualquer mas ele não a quis ouvir, virou-lhe as costas e foi a caminho da direção. Sem perceber o que se estava a passar, a aluna pôs os fones para ouvir a música que era a banda sonora do seu primeiro beijo. Ouviu-a logo de manhã meia dúzia de vezes, uma delas, sabemos nós agora, foi quando se cruzou com o professor. A emoção da música não a deixava ouvir mais nada.