Tem chovido mais este ano e quando chove lembro-me sempre mais de ti. Gostavas tanto de ouvir a chuva a bater na janela enquanto bebíamos chá de Bela Luísa e comíamos fatias de bolo de chocolate sentadas à lareira.
Sempre gostámos de estar as duas sentadas ao fogo, os homens iam ver a bola, os teus netos ainda não tinham nascido, dizias-me que verdadeiramente a única parte de mim que saiu de dentro de ti foi o meu corpo, o resto ficou lá tudo, a alma, o encantamento, o amor infinito.
Nunca tivemos dificuldade em manifestar o nosso amor uma pela outra, há quem tenha esse problema e depois se arrependa para o resto da vida, pelo menos nós não ficámos com esse remorso.
A lenha que ardia só já arde dentro da memória, o chá e o bolo já não sabem como sabiam, mas quero acreditar que ainda consegues ouvir a chuva a bater na pedra de mármore negro da tua casa onde moras há já tanto tempo. Antes desse tempo em que deixaste de ouvir bater a chuva na janela, as tardes de domingo de inverno não tinham fim e as nuvens derramavam água o dia inteiro. Contavas-me coisas da tua juventude, as dificuldades, as descobertas, o primeiro beijo do pai, a noite de núpcias.
Tens cada vez mais vizinhos ao pé de ti, quando deixo de os ver sei que vêm ter contigo, se os encontro antes de virem, ali à beira do fim da estrada, ainda lhes peço para te darem um abraço, uma coisa é eu vir aqui a este silêncio de mármore negro dar-te um abraço, outra coisa é uma vizinha entrar na terra onde agora moras e dizer-te de viva voz que tenho muitas saudades tuas. Tem chovido mais este ano, nestas tardes de domingo de inverno os olhos derramam água o dia inteiro.