O tempo que falta Quando já não houver tempo quereremos mais tempo, quando já não houver amanhã choraremos pelo nascer do sol que já não veremos. Quem nos dera termos sido tão ávidos e tão sensíveis quando havia todo o tempo. Ninguém sabe o tempo que nos falta viver, ninguém consegue calcular o tempo que temos, guiamo-nos pelas estatísticas da esperança de vida, só sabemos mais ou menos, tendo em conta as nossas maleitas estabelecemos um padrão, fulano tinha isto e morreu aos tantos anos, fulana tinha aquilo e finou-se em menos de um fósforo, ou aguentou-se mais uma década. Mas haverá um dia, coisa estranha, em que o nosso coração deixará de bater, sim o nosso, e quando ele nos faltar acabou-se tudo. A única dúvida é saber se se é cremado ou sepultado. Seja claro sobre isso em vida, não deixe essa incerteza para os que cá ficam. Normalmente, a vontade dos futuros mortos é respeitada. O concílio da morte decide quais virá buscar mais cedo e quais vão ficando adiados. Nenhum de nós sabe como chegará a nossa morte, se será de noite, se de dia, o certo é que ela virá, de repente, num ai, ou esmagando-nos lenta e caprichosamente. Ainda há bocadinho respirava, ainda agora sentia, ainda há instantes vivia. Durante a vida houve portas que nunca se abriram, nós batemos, pedimos, implorámos, mas as portas da sorte, do desejo, da riqueza, da saúde, mantiveram-se sempre fechadas, mas a porta da morte está sempre aberta para todos, a morte é muito mais democrática do que a vida. O que a vida separa a morte une, o que a vida dispersa a morte reúne. Do ventre à tumba. De choro a choro. Uma vez choram uns, outra vez choram outros.