Estou muito cansado, dizia o professor na sala de professores a quem tinha paciência para o ouvir. Estou velho, a modernidade ultrapassa-me todos os dias, fico sozinho, agarrado a um tempo diferente, não estou certo de que este seja melhor, talvez mais imediato, mais genérico, mas não sei se mais apropriado à humanidade, a tecnologia oprimi-me em todas as aulas, exige-me coisas que eu não sei, coloca-me desafios que vão além das minhas forças e das minhas convicções, digito, projeto, entretenho, perco-me em ligações, em termos técnicos tão óbvios e intuitivos para os outros, em cabos com nomes em inglês, esqueço-me das palavras-passe, a minha vida é feita de palavras-passe, há uma profusão de códigos que me esmaga o pensamento. Dantes tinha um molho de chaves para as portas das salas, o resto era o giz, o quadro, o manual, os sumários feitos num livro de ponto, o uso da caligrafia, a simplicidade das relações ativadas pela voz. Agora tenho uma caixa com vinte ou trinta espaços para os alunos colocarem os telemóveis, depois conto os telemóveis, depois conto os alunos, se houver uma diferença conto outra vez, depois abro o meu correio eletrónico e insiro a palavra-passe, depois abro a plataforma dos sumários e insiro a palavra-passe, depois abro a plataforma da editora e insiro a palavra passe, isto tudo quando há Internet, porque se não houver Internet fica tudo perdido, os alunos alvoroçam-se e eu perco a minha voz e mesmo que não a perdesse ela não me servia de nada porque ninguém me ouve. A tecnologia não me facilitou, a tecnologia cansa-me, dantes tinha um caderno para escrever poesia, agora tenho um caderno cheio de palavras-passe.