Fomos crianças protagonistas de presumíveis filmes nos quais proliferavam admissíveis aventuras, sendo que a lembrança da velha portugalidade abreviava a vontade de jovens que se entregavam com amor e paixão às diversificadas brincadeiras infantis. Jogávamos à pata, ao pau da lua, ao eixo, ao berlinde, ao peão, às escondidas, de entre muitos outros passatempos que acicatavam miúdos para a fascinação onde a questão física imperava. Vivemos debaixo das austeras imposições num Portugal em que as classes sociais se dividiam entre os ricos e os pobres. Conhecemos a época em que o fiado, quer na mercearia, quer na velha taberna, impunha dependência em gentes de exíguas posses financeiras, mas que assumiam honradamente o cumprimento do dever, liquidando, quando o podiam, a dívida entrementes acumulada.
Nós, crianças, quando nos apanhávamos com dois tostões no bolso, lá íamos a correr a caminho de uma loja para comprar rebuçados dos bonecos da bola.
O ator principal, e único na lata, cuja compra autenticava o fechar da caderna, tendo em conta que essa situação lhe dava direito à bola de catechu, mas esse objetivo escapava-se a uma rapaziada que se via espoliada de tamanho sonho. Porém, fomos felizes nem que para tal jogássemos com uma bola de trapos, ou nos entregássemos a loucas correrias.
Fomos, no fundo, meninos em que muitos dos nossos companheiros corriam com os pés descalços, ao invés de outros que utilizavam os sapatos domingueiros naqueles desafios locais. Vivemos num tempo em que o jogo da bola, pois nessa altura eram raras as outras modalidades disponíveis ou até conhecidas, nos estimulava para o prazer do divertimento, não obstante a obliquidade do espaço utilizado.
Saudemos, com cortesia, aquelas manhãs e tardes em que grupos de rapazitos partiam com a ânsia em dar uns chutos na desejada esfera saltitante. Numa auto-observação a esses distantes prazos de vida, recordo aqueles pequenos campos para a exequível prática futeboleira que existiam espalhados pelo mais recôndito lugar existente em toda a nossa região. Nesses idos, as eiras assumiam-se como os palcos mais desejados para a criançada exibir a sua arte.
Existiam lugares onde a malta, à socapa, se distraía com o futebol, mas sempre atentos às forças da ordem em serviço. Todavia, o progresso do tempo proporcionou a construção de infraestruturas desportivas que harmonizou a prática global de confortáveis modalidades, onde o seu avanço é agora um dado adquirido. Basta repousar o olhar nos êxitos de atletas que expandem valor, quer nacional, quer internacionalmente, dado que Portugal é hoje um dos palcos onde prolifera qualidade nas suas diversas circunstâncias percorridas.
Nós, rapazinhos de outrora, desfiávamos a nossa persistência e deparamo-nos agora com crianças que vivem o momento desportivo com gáudio e emoção. Cada golo marcado é um delírio, emitam festejos dos seus craques preferidos, espalham magia, o público aplaude e as crianças sentem-se bem-aventuradas pela jogada que termina com a bola na baliza adversária.