Os poetas têm um mister inútil e ao mesmo tempo perigoso.
É inútil porque o assombroso esforço que os poetas fazem para explicar as entranhas do mundo raramente é tido em conta, é quase sempre desprezado. É perigoso porque se, pelo acaso das suas palavras certeiras, os poetas conseguem desnudar e mostrar as entranhas do mundo, a nudez feia da vida certinha, temendo o que é incomum ou estranho ao seu ambiente, torna-se xenófoba.
Os poetas são bonitos se não forem selvagens, os poetas são bons se não forem demasiado ousados.
Há um gosto social pela poesia que rima, as palavras sossegadinhas e limpas repetindo fórmulas harmoniosas, vencedoras de prémios para a melhor combinação de sons e imagens, palavras que se adivinham ainda não foram ditas, ideias formatadas para uso e consumo geral e comum.
Os poetas que espantam raramente sabem viver a vida como se diz que ela é, os poetas solitários, selvagens e ousados raramente veem o que os outros veem, vão mais fundo, vão mais alto, guerreiam uma realidade ditada pela rotina, destroem a verdade construída pela norma das palavras simples que rimam alegremente.
As palavras que os poetas extraordinários escolhem não se encontram à superfície, são asas de pássaros perdidos, é preciso peneirar, é preciso penar para as encontrar, é preciso partir a pedra do cérebro, mergulhar no abismo das lágrimas, ousar entrar no reino absurdo das paixões, rasgar a boca para nela caberem mais gritos, pegar na mão como quem pega no corpo todo, fechar os olhos para neles entrar mais luz, beijar o medo, escrever futuros sobre o passado. Os poetas escrevem coisas tontas para mel dos seus pecados.