Sou da geração de transição entre o Menino Jesus e o Pai Natal e há claras diferenças entre eles.
A era do presépio e do menino em palhas deitado foi um tempo suave como musgo, doce como tabletes pequeninas de chocolate, infinito como noites de espera, claro como manhãs de Natal.
Ninguém trocava prendas na noite de consoada, as prendas eram vozes, eram filhoses, era o vagar de estar à mesa, era guisado de frango caseiro, eram copos de laranjada, era o fogo a arder, eram os primos todos, eram os tios de França, eram os cigarros de enrolar do meu avô, eram popias caiadas, eram copinhos de anis e de Vinho do Porto, era a cozinha toda a saber a sonhos, era eu deitado na cama da ingenuidade.
Mas depois veio o Pai Natal, chegou de uma maneira tão repentina, tão intensa, que deu logo cabo do meu presépio, de um ano para o outro não sobrou peça nenhuma, não sobrou nada em mim que me impelisse a defender o Menino Jesus. Desfiz-me dele sem dó nem piedade, entreguei-o ao esquecimento, troquei-o por coisas aparentemente mais pomposas.
Papéis coloridos, bolas de enfeitar, estrelas, chocolates para pendurar, prendas debaixo da árvore, luzes a piscar, o jantar da consoada à pressa, fartos de vozes e de filhoses, três horas de angústia e inquietação até à meia-noite, a hora em que o Pai Natal descia a chaminé, talvez por isso o fogo já não ardesse como dantes ardia, as prendas com os nomes, os primos todos a compararem o tamanho das prendas. À meia-noite começámos todos a rasgar papéis, só faltava o meu avô que ficou sozinho na cozinha a fumar um cigarro e a pôr mais lenha no fogo. Que parvo fui eu não ter ficado com ele.