O tempo em que eu era feliz por ter à mesa todos os que amava era o mesmo tempo em que o meu pai já não tinha à mesma mesa todos os que amava. Na noite de Natal sentimos saudades redobradas daqueles que nos trouxeram ao mundo e que já perdemos para a morte. Fazem-nos falta sempre, mas ainda mais nessa noite, porque foi nessa noite que ano após ano sentíamos mais profundamente o nome, a carne o sangue da família. Quem é mais velho olha para o Natal sempre em retrospetiva, vê-se criança, vê-se rodeado de pais e avós e tios. Para os mais antigos o Natal é uma mesa onde faltam pessoas. Há uma amargura que netos e filhos e sobrinhos não resolvem totalmente. E essa dor de alma tornou-se uma marca sociológica dessa noite, não há família nenhuma, não há casa nenhuma, não há mesa nenhuma, onde esse vazio não entre e não perdure. E essa mágoa é replicada geração após geração, em cada mesa de cada Natal haverá sempre quem ache que faltam alguns. Mas as crianças, que são a renovação e já não conheceram os que ali faltam, acham que estão todos. Para elas estão todos, os avós, os pais, os tios. O melhor lugar para medir a dimensão do amor é a mesa à volta da qual nos sentamos na noite de consoada. E os que naquela noite de Natal sabem que à sua mesa estão todos porque não falta ninguém importante serão os mesmos que mais tarde vão sentir a mesma pena. Mas quando os mais velhos sentirem esse vazio a querer ocupar lugar devem abraçar as crianças e dizer-lhes que as amam. Este profundo afeto só tem um problema: a profunda saudade que há de um dia sentar-se à mesa do tempo que passou.