Diário do Alentejo

O xadrez da vida desportiva
Opinião

O xadrez da vida desportiva

José Saúde, jornalista

15 de dezembro 2024 - 08:00

Situada entre a fronteira da planície alentejana e da serra algarvia, Odemira é sede de um concelho onde o desporto é, fundamentalmente, acarinhado. O burgo recebeu o foral de D. Afonso III, em 1256, e Damião, ou Damiano de Odemira, filho da terra e boticário de profissão, foi o autor do primeiro tratado de xadrez conhecido. A área do município é de 1720,60 quilómetros quadrados e confere-lhe a honra de se assumir como o maior do País, em área, e as coletividades desportivas proliferam por toda a zona. Em Odemira a modalidade do futebol, em particular, surgiu nos princípios dos anos de 1920. Uma família inglesa, detentora de uma fábrica de cortiça na localidade, foi a explícita impulsionadora do vício do jogo da bola. Nesses tempos a indústria prosperava e os habitantes aglutinavam grande parte da mão de obra nessa labuta, sendo que a 1 de março de 1923 fundou-se o Sport Clube Odemirense. A curiosidade revelada pelos homens mais antigos é que a primeira equipa existente na vila fora formada por funcionários da indústria corticeira, a qual utilizava a via fluvial, rio Mira, para exportação dos produtos ali trabalhados. A ciência do jogo foi, porém, conquistando as suas gentes, gentes estas que jamais renegaram a sua afeição ao cosmos desportivo. Ainda assim, reconhece-se que o suposto isolamento geográfico nunca se apresentou como um pretexto que impôs ao longo dos tempos obstinadas balizas. Por outro lado, os desenvolvimentos das modalidades vão das praticadas em pavilhão ao futebol, passando pela canoagem, atletismo ou a columbofilia, de entre muitas outras atividades em pleno desenvolvimento e que identificam um concelho opulento em agremiações de grandezas diversas. Após a resumida narrativa atrás descrita, regressamos a Pedro Damião, ou Damiano de Odemira, que nasceu no ano de 1480 e morreu em 1544, sendo um dos grandes teóricos portugueses no jogo do xadrez. O xadrezista ficou famoso pelo facto de ter sido o autor do primeiro tratado sobre o contexto abordado, mas eis que o xadrez da sua vida o levou a refugiar-se em Roma, aquando da expulsão dos judeus de Portugal, sendo que esta sua interrupção em solo lusitano aconteceu durante o reinado de D. Manuel I. Ora bem, admitindo a exatidão de uma modalidade que requer saber, principalmente, mental, voamos nas pressupostas “asas” do tempo e fixemo-nos no ano de 1997: Rui de Carvalho Nascimento, conceituado xadrezista, fundou, em Lisboa, a Tertúlia Damiana de Odemira e contou com as participações dos mestres de xadrez Gabriel Maria Graça, José Vinagre, Vasco Santos, Mário Silva Araújo, Pedro Silva Araújo, Dagoberto Markl, M.I. Joaquim Durão e António Pedro Vinagre. A tertúlia não se deixava só embalar pelo universo do xadrez, mas discursava sobre outros temas, especialmente, culturais, artísticos, literários e científicos. Posto isto, é justo realçar que Odemira, e o seu concelho, são mentores fiéis de um movimento informal, onde o xadrez da vida desportiva se dispersa pelas suas reminiscências.

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