Levantar-me de madrugada não é o mesmo que me levantar já com o sol a brilhar. Podia entre estes dois tempos manter a cabeça na almofada, dormir mais duas horas, deixar o corpo descansar mais um bocadinho, os dias são longos e sei que encontrarei cansaços, mas se o fizesse perderia a essência da luz. A essência da luz é o escuro, só nos apercebemos da luz depois de sairmos do escuro, é assim com as manhãs e é assim com a vida. Levanto-me cada vez mais cedo, esta idade vai gostando de se deitar ainda os outros inventam atividades e de despertar ainda os outros dormem. Gosto de começar a sonhar cedo, gosto de ir buscar aos sonhos o que a vida não me dá, dantes sonhava mais com o futuro, agora sonho mais com o passado, sonho mais com o tempo em que me levantava tarde e não reparava na beleza do princípio da claridade. Os sonhos são uma coisa e a vida é outra, a vida é beber café quando acordamos, os sonhos são beber ilusões quando dormimos. Quando me levanto há ainda um silêncio a escorrer pelo rosto estrelado da noite e a lua ainda não caiu do céu. Não serei certamente o primeiro a erguer-me, há outros que por obrigação, sem vontade, se levantam ainda mais cedo, mas ainda vou a tempo de assistir ao nascimento da luz. O nascimento da luz é a prova de que há repetições bonitas, é a confirmação que há hábitos que iluminam os nossos olhos e por consequência o mundo todo, ainda que o nosso mundo seja o apenas o nosso quintal e os nossos sentidos. Nem tudo tem de ser extraordinário. Contento-me com o romper da bela aurora. Espero pelos pássaros. Dantes namorava noites fundas, agora namoro madrugadas.