Diário do Alentejo

Penso, logo não insista! Reflexões de um candidato à Presidência da República
Opinião

Penso, logo não insista! Reflexões de um candidato à Presidência da República

Rodrigo Ramos | Professor

02 de dezembro 2024 - 08:00

Começo por descansar os leitores e declarar que não tenho calibre para a Presidência da República. Mas tenho observado outros que se outorgam ao cargo e não me acho menos. No geral, o que fazem eles? Pensam. Até aí também eu vou.

Divergimos no serviço da res publica, de que com justiça os agora candidatos em ponderação se orgulham de ter realizado para logo, cansados das provocações e insultos parlamentares, terem saído para tomar ar. Regra geral, não regressaram. Passeiam-se pelos corredores de empresas privadas, assessoram um tanto, praticam artes lobistas ou de consultoria, ou enterram-se em petições, contratos, procurações, acórdãos, sentenças, em escritórios de advogados mais ou menos conhecidos do grande público. Aí, na privacidade dos seus gabinetes, desapertam o nó da gravata perante a dificuldade mais evidente de um habeas corpus, o qual, por desgraça, os faz recordar de que também eles habent um corpus, ao qual passam a vida a prometer combate anti-envelhecimento. E eis então uma particularidade infernal que os perturba terrivelmente – o envelhecimento. E consideram que, se por infelicidade eclesiástica, o filósofo grego Epicuro tinha razão ao afirmar que a morte é mesmo um fim (o que não faltam por aí são cemitérios adubados de cadáveres que atestam a veracidade da declaração), então, que diabo urge fazer algo pela vida, antes que a vejamos consumida como o pavio de uma vela linfática.

Mas que fazer? Pode alguém, em pleno século XXI, atirar-se de cabeça à glória de mandar? É vã cobiça, já o sabemos. De resto, convenhamos que não há muito para fazer; estes políticos de ontem já se inflamaram nas galerias da Assembleia da República, já fustigaram os adversários em espaços televisivos de comentário político, já vergastaram opositores com refinados adjetivos de eloquência mordaz, já intrigaram, já tiranizaram. Além do mais, a democracia caiu em descrédito! O que está na berra são os extremos. E como os extremos berram! Talvez houvesse um cargo mais proeminente, superior ao tão comezinho rebaixamento parlamentar…

Neste ponto, como a personagem de um romance de cordel que aguarda com expectativa a sua entrada em ação, a Comissão Nacional de Eleições vem recordar que a próxima eleição presidencial ocorrerá em janeiro de 2026. Para quem vive estrangulado, mês a mês, pelas manápulas flutuantes da Euribor, janeiro de 2026 ainda está a uma vida de distância. Contudo, o tempo político embala-se por outros pêndulos de relógio, é de temperamento mais vertiginoso: hoje escrevo este artigo no silêncio do meu lar e em menos de um ai estamos todos de caneta em punho, com um boletim cravado de nomes e quadradinhos. Vai daí, que fazem estes políticos de museu? Urgentemente, apressadamente, aos tropeções, correm aos microfones dos meios de comunicação social ou, quando não, ao teclado sôfrego de um telemóvel ou computador e anunciam ao País, com grande sentido de responsabilidade, que estão a ponderar. “Em que estás a pensar?”, pergunta o Facebook. “Precisamente que estou a pensar!” Nos tempos que correm, a prudência aconselha prudência.

Destes, o nome do almirante Henrique Gouveia e Melo irrompeu dos sete mares e fintou a política portuguesa, sem que esta se apercebesse por que flanco foi suplantada. O almirante, esquerda, direita, volver, acredita mais nas vacinas do que em posições políticas ou alinhamentos partidários. A seu favor tem a feliz circunstância de ter frequentado pouco o Parlamento, o que dá bem a ver que a Presidência da República, para si, é uma vocação e não um cargo. Talvez por isso mesmo o povo português tenha grande empenho em atirá-lo para Belém. Com que credenciais? Duas: um apego pela disciplina militar e ter posto em ponto de vacinação uma nação ávida de vacinas, pouco dada a teorias da conspiração, e que estendia os braços para a AstraZeneca como se para o pão de deus. Não é coisa pouca; outros antes dele falharam e deixaram a nação à beira de uma catástrofe. Ainda assim, a sua incamuflável carreira militar fere a matéria mais elementar de um regime democrático civil: a separação de poderes. É certo que a democracia conheceu dois presidentes militares, Francisco da Costa Gomes e Ramalho Eanes; todavia, o País atravessava um período particular, em que uma democracia mais sonhada do que real, demasiado virginal, não passava ainda de um ideal a haver, que encontrou no braço militar um suporte para a sua fraca existência. A partir da Revisão Constitucional de 1982, os militares recolheram-se à caserna e não se intrometem na coisa pública, até porque têm mais e melhores matérias com que se ocupar. Quanto a Henrique Gouveia e Melo, desconhecemos, por enquanto, se alguma vez o veremos tomar um café numa varanda do Palácio de Belém, imponente, como se observasse o mundo a partir do castelo de um navio lançado ao mar alto. O senhor almirante pondera!

Receando, porventura, que tanta reflexão plantasse o almirante na cadeira presidencial, outra personalidade apresentou requerimento para usufruto da introspeção: ainda em 2023, não se encurtasse surpreendentemente o tempo, tivemos a honra de saber que o estimado dr. Luís Marques Mendes se refugia para ponderar fatores, externos e internos, materiais e essenciais, avaliar os riscos, os desafios e as implicações e, tendo em conta certos aspetos sociais, económicos e políticos, então talvez sim, quem sabe, ele possa dar-se ao sacrifício de ser candidato presidencial.

Muito alinhado, seguiu-se um desfile de nomes que, dada a sua natureza analítica e racional, me merecem ao menos a paciência de duas linhas: Mário Centeno, Augusto Santos Silva e Ana Gomes são políticos cujos córtices pré-frontais se enchem de considerações, tal como os campos do Alentejo se cobrem de restolho no final do verão.

Assim vamos indo: adormecidos nesta meditação coletiva bocejante, de onde não se vislumbra o despontar de uma figura forte, destemida e determinada, suficientemente clara e firme para inspirar confiança numa população fatalista, cada vez mais dada a extremismos. A coragem não será também um pergaminho para a Presidência da República? Como se explica que políticos, a meses e meses das eleições presidenciais, nos informem que ponderam uma candidatura, ao mesmo tempo que receiam que quaisquer anúncios prematuros façam à sua imagem o mesmo que os dias quentes fazem ao leite aberto: a fermente e azede?

É uma incongruência que não se compreende. Mas há dias, despontou um homem: António José Seguro! E que fez? Pois bem, apressou-se a vir anunciar que terminantemente – também reflete. Na qualidade de um político dotado de uma cabeça ligada ao corpo pelo istmo do pescoço, António José Seguro assume-se pensante! Silêncio sepulcral. Alguém tosse timidamente. Por momentos, quase pareciam despertar umas presidenciais que ressonam!

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