A terra canta mas canta baixinho e por isso pede aos homens, às mulheres e às crianças para lhe darem uma voz mais alta. Dentro da terra há uma voz, dentro da terra canta uma voz, timbre afinado de lonjuras e de calmarias, moda sentida de auroras e de covas, pronúncia bela de bocas e de corações. A terra canta para dentro da sua fundura, para lá dos seus horizontes, canta para os seus mortos, canta para os seus amores perdidos, canta para matar saudades, canta para perceber a vida, canta às vezes parecendo que chora, quase sempre parecendo que sofre. A terra canta para si mesma, baixinho, muito baixinho, e por isso a maior parte de nós não a consegue ouvir cantar. A maior parte de nós não sabe escutar o cântico da terra, sabem os pássaros, sabem as azinheiras, sabem os borregos e os porcos, sabem as cegonhas, sabem o vento e o pó, sabem a claridade e a noite escura, sabem as terras lavradas, sabem os fardos de palha e apenas, que sorte tamanha, alguns escolhidos pela eternidade. Escutar a terra não está ao alcance de todos e por isso a terra pede a alguns homens, a algumas mulheres e a algumas crianças que a cantem e lhe deem uma voz mais alta e mais profunda. Mas a terra não escolhe ao acaso, a terra sabe quem tem garganta e alma e peito, a terra é que diz quem é capaz de a cantar. Cantar a terra não é coisa pouca, dizê-la cantando não é para todos, é preciso ter sido tocado por um destino extraordinário, um destino que mistura o tempo todo, que traz o passado para o futuro e concede vida aos velhos e dá alma aos novos. O cante é a voz da terra, o cante é a tradução perfeita do que a terra quer dizer.