É difícil estabelecer como surgiu o cante alentejano. O cante é uma entidade viva que tem mantido algum do seu reportório mais antigo, mas também adicionado a este, mantendo-se sempre atual.
O cante da terra, que “retrata a ligação umbilical do trabalhador com a terra-mãe”, é um canto coletivo, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, associado geograficamente ao Baixo Alentejo.
No dia 27 de novembro de 2014, em Paris, a Unesco elevou o cante alentejano, na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Foi um momento magnífico e com sentido de responsabilidade, que nos foi imputado, para a salvaguarda e conservação desta forma de expressão tão características das gentes do Alentejo e muitas vezes vilipendiada e gozada com algum sarcasmo, próprio de alguns ignorantes e desdenhosos, de um modo de cantar que exprime o amor à vida, o amor lírico à beleza da paisagem, a denúncia das agruras do trabalho, o modo de vida paupérrimo e miserável, a falta de trabalho, a exploração de que eram vítimas por parte dos latifundiários.
O processo de candidatura foi algo muito intenso e alguns pensavam que seria um caminho muito difícil, quase impossível de concretizar. A Casa do Alentejo, desde a primeira hora, esteve sempre presente: nas várias reuniões preparatórias, nos contactos na Assembleia da República e nos ministérios, para envolver algumas instâncias na candidatura. Uma representação da direção, constituída por três elementos, acompanhou a comitiva a Paris e está na minha memória a receção extraordinária com que a população anónima brindou o grupo de Serpa de regresso a Lisboa, no aeroporto, num momento inesquecível.
Por tudo isso, presto homenagem a todos os homens e mulheres que ergueram esta bandeira e a levaram a bom porto. Foi um longo caminho, com uma grande dinâmica em torno daquela manifestação cultural, pois o processo de candidatura não foi fácil A Casa do Alentejo, desde a sua fundação, assumiu como objetivo a preservação, dinamização e divulgação da cultura alentejana, e, em particular, o cante como um dos elementos mais singulares da cultura do povo alentejano.
Os alentejanos, que por necessidades económicas e de sobrevivência vieram para a Grande Lisboa trabalhar na cintura industrial, fizeram do cante a sua força interior para combater a saudade. O cante desempenhou um papel fundamental e aglutinador na comunidade migrante e de coesão social. O cante fazia-os sentir no Alentejo, mesmo estando longe. A nostalgia era esbatida com as modas e algo que os unia muito: o orgulho de ser alentejano.
De origem popular, o cante alentejano sobrevive graças aos grupos que o cultivam no Alentejo e na periferia de Lisboa, os quais recapitulam em ensaios o repertório conhecido de memórias, quase sem registo escrito ou sonoro e com reduzidas alterações criativas. Nascido nas tabernas e nos campos, cantado por camponeses/camponesas e por mineiros, o cante alentejano deixou os campos e atravessou as fronteiras da sua região. Nas últimas décadas, com a diáspora alentejana, apareceram novos grupos na periferia industrial de Lisboa e em diversos países de emigração, acentuando o cante como traço identitário dos alentejanos onde quer que estejam.
Para nós, Casa do Alentejo, o cante é um elemento agregador de unificação e de pertença social, e daí a enorme satisfação que os grupos da diáspora e do nosso Alentejo profundo tenham um enorme orgulho e entusiasmo em se exibir cantando na sede da Casa do Alentejo em Lisboa.
Existe uma expressão que é comum, e é pronunciada pelos grupos, dizendo que a Casa do Alentejo é “a nossa CASA MÃE, a nossa EMBAIXADA”.
O que exige muito desta associação de alentejanos. É enorme a nossa responsabilidade na preservação, consolidação e evolução do cante.
Entretanto já decorreram 10 anos e o cante está vivo e recomenda-se. Grupos femininos vão surgindo, grupos infantis também, nomeadamente, na Área Metropolitana de Lisboa, mas não só: Paris possui um grupo coral com apenas três portugueses, o grupo é constituído por elementos de várias regiões do mundo global e cantam em português as mesmas modas.Com o apoio da Casa do Alentejo, os grupos da diáspora deram um grande contributo para a promoção e divulgação do cante, antes e depois de 27 de novembro de 2014.
O cante está vivo e a elevar os seus cantadores e cantadeiras e a valorizar um dos patrimónios mais genuínos do Alentejo.
“Minha mãe me disse um diaFilho nasceste chorandoEu de resposta lhe deiEu hei-de morrer cantando”