Em 2014, a Unesco elege o cante alentejano como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Finalmente parecia que o cante passaria a ser mais valorizado e reconhecido numa cultura que estava circunscrita a um grupo reduzido de alentejanos.
Com esta divulgação, o cante passou a receber o merecido tributo. Passou a ser conhecido mundialmente e a ser uma das referências culturais que reflete a identidade e história de uma região, o Alentejo.
Mas nem tudo é perfeito, muitos grupos foram convidados a participar em espetáculos e gravações musicais que nada têm a ver com o cante, nem com a música tradicional do Alentejo. Desta forma não estamos a promover o cante, mas sim a tirar partido dos cantadores.
Na verdade, atualmente, existe uma grande confusão sobre o cantar que a Unesco classificou. No meu entender, o que foi classificado deveria ter uma designação específica, cante coral alentejano, pois existem outras formas de cantar no Alentejo que também são tradicionais.
Inicialmente não sabíamos bem o que abrangia uma candidatura desta envergadura, o reconhecimento que iria proporcionar à nossa cultura. Os grupos corais não sabiam, e tenho a certeza de que muitos deles ainda não sabem, porque lhes faltou esclarecimento.
Tudo deveria ter sido pensado de outra forma para não gerar tanta confusão, como nestes últimos 10 anos, em que tudo o que se canta diz-se ser cante alentejano.
Recordo-me que, nos anos 90, estava muito bem definido e não existiam conflitos entre grupos corais e grupos de música popular alentejana. Deveriam ser realizadas sessões de esclarecimento, através da comunicação social, para que se deixe de confundir o cante coral alentejano com outro género musical, principalmente, no que diz respeito à técnica e reportório usado.
A candidatura e a classificação motivaram as pessoas a formarem novos grupos corais, que ainda hoje se mantêm. No entanto, os grupos recentes são perfeitamente visíveis, porque cantam uma confusão de um cancioneiro no seu reportório, o cante que é divulgado na Internet. Nos grupos corais existentes antes da candidatura conseguimos perceber que o que cantam é tradicional da localidade a que pertencem. Estes grupos não só estão a salvaguardar o cante coral, como também estão a salvaguardar a genuína forma de cantar da sua terra. O cancioneiro é tão grande e tão vasto que há lugares que não têm grupos corais, mas têm modas próprias, que foram em tempos cantadas, e é necessário a sua recuperação.
Com a pandemia muitos dos grupos corais antigos dissiparam-se e já não conseguiram reerguer-se. Na verdade, uma candidatura e classificação da Unesco não foram suficientes para manter o cante coral ativo. Foi notório que, com ou sem candidatura, com ou sem classificação da Unesco, estes grupos corais iriam desaparecer na mesma. Isto quer dizer muita coisa, que algo não correu bem. Provavelmente, a falta de um plano de salvaguarda que não foi feito, ou, se foi feito, não foi colocado em prática.
Vamos continuar a perder mais grupos corais, porque estamos a ver, constantemente, pessoas a usá-los e a não dar de si, a não apoiá-los. Para darmos continuidade temos de vestir a farda e juntarmo-nos a eles. Para além disso, é fulcral que as autarquias se disponibilizem, ainda mais, a apoiar estes grupo.
Cada um de nós tem o dever de sensibilizar as novas gerações para o cante coral alentejano, contribuindo assim para a formação de novos cantadores.