Quando ando pelas ruas da minha terra vou pensando e vou sentindo. Quando as percorro e as atravesso não são as pernas e os olhos que comandam os meus passos.
São as lembranças que me assaltam a cada esquina, a cada degrau, a cada pedaço de alcatrão ou de calçada. Aquele tempo em que estou é um mergulho num tempo antigo, nas minhas memórias de criança, no que me aconteceu, no que vi, no que ouvi. Vejo-me agora a descer a rua a correr, a passar por mim, tão velho que estou que não me reconheci, ainda olhei de relance mas ia à pressa à procura do futuro das brincadeiras, ia ter com a inocência de ainda não ter dúvidas nem cansaços.
Se tivesse parado ter-me-ia visto um pouco triste, as crianças acham os velhos um pouco tristes e têm razão, todos sabemos que os velhos descem o tempo a correr. Lembro-me de ter caído neste preciso lugar, tinha cinco anos quando o triciclo bateu contra o passeio e se virou e eu fiz uma ferida no joelho, deitei sangue, deitei tanto sangue e tantas lágrimas e a minha mãe estava tão longe.
Apeteceu-me arrancar o passeio, revirá-lo para reaver o sangue e as lágrimas, para achar o triciclo e principalmente a minha mãe. Os homens e as mulheres por quem eu passei quando descia a rua a correr já morreram todos.
O homem grande das barbas, o outro que tirava fotografias, o que vendia vinho, o outro que estava preso, o outro que falava sozinho, achávamos nós que falava sozinho, a mulher que vendia peixe, a outra que sabia mezinhas, a outra que tinha a primeira televisão que eu vi na vida, a outra que vendia panos, café e piões, a outra que me ensinou a escrever.