Não era coisa pouca saber onde ficavam as mais doces. Havia quem fosse bom no berlinde, no pião, a apanhar rãs, a armar aos pássaros, a assobiar, a fazer cavalinhos com a bicicleta, a cuspir mais longe, a atirar com a fisga, a apalpar moças, mas uma das habilidades mais nobres era arranjar boletas tão boas como castanhas, ou até melhores, defendiam alguns. Esse conhecimento valia o respeito e a admiração de novos e de velhos. Quando o outono ainda se deitava dia e noite com o Alentejo, no tempo em que os ventos, as chuvas e o frio ainda reinavam sobre as planuras, os serros e os montados, era hora de ansiar pelo fruto de casca lenhosa. As azinheiras que ficavam junto às estradas não traziam novidade. As doces eram apanhadas antes de tempo para que outros não se ficassem a gabar, as amargosas iam para os porcos ou apodreciam com o tempo. O segredo era nunca revelar de onde vinham as melhores e mais gradas. No meio desses campos havia azinheiras a perder de vista, encontrar as que davam as mais saborosas era uma fineza ou um golpe de sorte. Uma vez achado esse tesouro era imperativo nunca o revelar, nem sequer ao melhor amigo. Descoberto o sítio, a árvore e a mestria do descobridor ficavam para sempre condenados. O dono do tesouro saía de madrugada, às vezes mais de uma légua para lá, outra para cá, ribeiras cheias, os caminhos cheios de lavajos, os cães de guarda, o arame farpado, as botas rotas. E lá aparecia, vindo do mistério dos corgos, com um saco carregado de boletas e de vaidade. À noite, a cinza quente assava uma mão cheia enquanto ele escolhia as mais bonitas para avelar.