Em noites cálidas de verões abrasadores em que as trevas da vigília resvalavam para refrescar almas de gentes que, após mais um dia de trabalho, se sentiam aliviados de uma jornada que lhes fora de veemente labuta, sendo naquele tempo a praça da República onde existiam três esplanadas, sempre cheias, o Pelourinho, o Camacho e o Café Central, assim como no jardim público, locais que se afirmavam como palcos privilegiados para um esfriar de temperaturas que se apresentavam asfixiantes.
E se a praça da República se assumia como um átrio onde, em mesas separadas, se cruzavam conversas de lavradores e de antifascistas que dissecavam a sua vontade de mudança do Estado Novo, no ringue do jardim Público Gago Coutinho e Sacadura Cabral o povo apoiava a componente desportiva.
Navego, não à deriva, pelos corredores das recordações, surgindo-me a imagem de jogos de hóquei em patins entre o Ateneu, Pax Júlia e Despertar, designadamente, que ali mediam forças, sendo que o “terceiro anel” se apresentava repleto de adeptos.
O “terceiro anel” era uma espécie de recanto, no qual os rapazes roubavam um beijo fugidio a uma moça, mas sempre com a marcação cerrada do “tio” Augusto, um velho matreiro que conhecia as intenções da rapaziada. Somos de um tempo em que o futebol de salão era jogado com regras inflexíveis e em que os jovens impunham arte nas suas jogadas.
Recordo o saudoso Manuel Ferreira, um homem de Beja, o “Pé de Ginja” como era conhecido pela população, um árbitro eclético que dirigia as modalidades amadoras que a rapaziada, à época, praticava. Mas tudo o que atrás cito obrigou-me a jornadear pelas lembranças e, num impetuoso assalto a esses tempos, surgiu-me à superfície da reminiscência um torneio de futebol salão, em 1968, quando entrámos na competição com uma equipa formada por jogadores que se antevia como a potencial ganhadora. O guarda-redes era o Vaz Lança que, entretanto, saiu do Sporting e rumou, depois, para o Benfica, o Caetano, jogador de “Os Belenenses”, um vigoroso atleta que “secou” o Eusébio num jogo em Belém, o Cano Brito que atuava no Benfica, em juvenis, tal como eu, Zé Saúde, no Sporting, o Tói Lança e o Zé Manuel Serrano, ambos do Despertar.
Chegou a hora de entrarmos em campo, surgindo-nos como adversários uma turma na qual proliferava a juventude e em que faziam parte o Vítor Madeira, o já falecido Zé António “Tarugo”, de entre outros, comandados pelo também saudoso Carlos Venâncio, vulgo Ildo. O jogo iniciou-se com um golo da nossa equipa, porém, os endiabrados “putos”, mormente o Vítor Madeira e o Zé António, deram a volta ao resultado, surgindo o terceiro, validado de pronto pelo árbitro, “Pé de Ginja”.
Um golo protestado pelo Vaz Lança que garantia a sua inexistência, visto que a bola não entrou na baliza. O resto da equipa saltou em sua defesa, houve sussurro e o juiz de ringue deu o encontro por terminado. Noites desportivas no jardim público de Beja que deixaram saudades.