Diário do Alentejo

O que fazer à dor
Opinião

O que fazer à dor

Vítor Encarnação, professor

02 de novembro 2024 - 08:00

onheço um homem que não se entregou.

E não terá sido nada fácil, quando a penumbra se forma de repente tudo se afigura impossível.

As palavras que lhe disseram, os exames que fez, os papéis que lhe deram, as palavras que leu, os números que viu, condenaram-no ao desespero e só quem já caiu para dentro do buraco do desespero sabe que essa dor esmaga tudo o que pensa e sente.

E porque pensa e sente, nas primeiras horas, nos primeiros dias, principalmente nas primeiras noites, este homem não sabia o que fazer à dor. A dor era uma pedra grande sobre os ossos.

A dor atou-o à tristeza, a dor atou-o à raiva, deixou de ver o que estava para além de si, para além de si parecia já não haver nada a não ser passado. Conheço um homem que apesar de tudo isto não deixou de sorrir, o sorriso deste homem foi uma ponte por onde ele atravessou um rio de dor, foi caminhando dentro do seu sorriso que o homem não se afogou em desesperança.

E dentro desse sorriso, dentro desse barco de risos, o homem levou a família toda com ele e carregou a crença dos amigos às costas do seu alento.

Conheço um homem que não deixou de contar anedotas, ele lembrou-se das anedotas quando estava dentro do buraco do desespero. Olhou em volta a ver se encontrava uma luz e viu que as anedotas brilhavam, cada uma era muita gente a rir, cada uma era uma festa. Conheço um homem que pega nas anedotas e vai contá-las lá onde a dor se concentra toda, onde as palavras que doem muito estão em carne viva, onde toda a esperança se procura através de injeções intravenosas. Conheço um homem que é muito maior do que a sua dor. 

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