Revistando um rol de documentos que mantenho guardados, recapitulei um conjunto de desenhos, a preto e branco, trazidos à estampa pelo saudoso Mário Elias, sendo que estes eram apoiados em crónicas desportivas sul-alentejanas. Mertolense de alma e coração, Mário Elias foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e parceiro de tertúlias na clássica Lisboa, especialmente, com os seus amigos Herberto Helder e Mário Cesariny, de entre muitos outros companheiros, um grupo no qual se concentravam credíveis intelectuais.
A sua eloquente e literal mestria na escrita muito o ajudaram para recordar antigos atletas do distrito de Beja. O tema e as ilustrações eram, nesse tempo, inseridos nas páginas do extinto jornal “O Ás” e os textos enriquecidos com excelentes desenhos que enobreciam pessoas que o próprio citava com elevada proficiência. O Mário era um homem simples.
Desarrumado, e sem critério no processo em arrumar o seu espólio, mas fora varão de um povo que muito o respeitava. Recusava entrar pelo interior de uma sociedade que designava como apodrecida. Corrompida. O seu anarquismo fez dele um senhor.
Com ele passei horas a ouvir as suas coerentes ideias. Rejeitava o mundo das vaidades e as suas vestes anunciavam uma sincera humildade, mas não o prévio conceito de cristalina avareza. Uma humildade que se traduzia numa gigantesca grandeza de espírito.
O Mário era uma personalidade nobre. Pintura, jornalismo e escrita foram hobbies que preencheram por completo a sua existência neste planeta chamado Terra. Foi aquilo que quis ser. Abdicou de fatos de alta-costura e de gravatas de seda. Não usou chapéus de aba larga, sapatos de marca requintada, esferográficas de etiqueta esmerada e nem tão-pouco de explícitos compêndios onde expunha os seus artigos desportivos que ficaram para memória futura.
Conhecemo-lo com calções, de camisas debotadas, um gorro de lã na cabeça, quer fizesse frio ou calor, cabelos esbranquiçados ao vento, uns chinelos enfiados nos pés e um maço de papéis desalinhados debaixo do braço que faziam parte da sua herança literária e de distinto pintor. Olho para os seus ilustres desenhos onde retratava craques e revejo a dinâmica que o Mário Elias impôs quando um dia se referiu ao seu pai, João Elias, um dos fundadores do antigo Guadiana Football Clube, no ano de 1926.
A ilustração sensibilizou-me. A energia que o Mário incutiu na tela deu-lhe um maior talento quando contemplamos na parte superior do plano o castelo de Mértola. Hoje, na orla do grande rio do Sul, é o Futebol Clube Guadiana, fundado em 1 de janeiro de 1947, que dá ênfase aos adeptos da bola na velhinha vila. Tributo a Mário Elias e às suas hábeis narrativas desportivas!