Diário do Alentejo

Museu regional
Opinião

Museu regional

José Filipe Murteira Professor aposentado

06 de outubro 2024 - 08:00

No passado dia 22 de setembro o presidente da Câmara Paulo Arsénio (PA) fez uma nova publicação sobre as obras no Museu Regional de Beja (MRB), na sua página do Facebook, tal como tinha feito há precisamente um ano. Nada a opor, todos nos congratulamos com o benefício que essas obras trazem ao edifício, tão importante na nossa história e no nosso património, tal como será de realçar o papel da Câmara Municipal de Beja (CMB) e da Direção Regional da Cultura do Alentejo (DRCA) nesse processo. Já o mesmo não podemos dizer sobre as afirmações proferidas pelo autarca nessas publicações: “(…) Uma obra de recuperação que se impunha há décadas, pela qual coletivamente se ansiava e que alguns acreditaram ser possível” (22 de setembro de 2023); “Todos empurravam para todos e o museu chegou a um estado de degradação demasiado avançado (…) Eis mais uma situação que se arrastava, sem fim à vista (…)” (22 de setembro de 2024).

Estas afirmações são, no mínimo, pouco rigorosas, além de injustas e reveladoras de uma falta de solidariedade para com os seus antigos colegas presidentes de câmara dos 14 municípios do distrito de Beja e, em particular, com os que presidiram à Assembleia Distrital de Beja (ADB).

Antes de explicar porque escrevo isto, relembro que ao longo dos anos acompanhei a vida do museu, mostrando sempre a minha solidariedade para com os seus trabalhadores, sobretudo, nos momentos mais difíceis, dolorosos e traumáticos. Realço, nomeadamente, os artigos que escrevi no “Correio Alentejo” (17 de fevereiro de 2012) e no “Diário do Alentejo” (17 de abril de 2014, 23 de janeiro de 2015 e 27 de janeiro de 2017), a minha participação nas assembleias municipal (como eleito), distrital e intermunicipal – da Cimbal – (como público, algumas vezes o único nesta condição) ou como subscritor do “Manifesto em defesa do museu” e participante na concentração que se seguiu a este documento, no dia 3 de maio de 2012.Vamos, então, por partes.1. Até ao 25 de Abril o MRB esteve na tutela da junta distrital, substituída após a Revolução pela assembleia distrital. E foi este órgão que, durante cerca de 40 anos, assegurou o seu funcionamento através da repartição de encargos entre a CMB (60 por cento) e as restantes 13 autarquias da ADB (40 por cento). A autarquia bejense assegurava, ainda, obras de manutenção, nas áreas da eletricidade, canalização, carpintaria, entre outras. Algumas, de maior dimensão, foram realizadas pela Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a “dona” do edifício. No entanto, a “obra de recuperação” que o edifício precisava, além de ir onerar bastante os parcos orçamentos das 14 autarquias, que teriam de suportar sozinhas uma eventual comparticipação nacional, caso houvesse financiamento comunitário, era algo de injusto quando comparamos com as intervenções de milhões de euros, em que esta comparticipação era suportada pelo governo central, uma vez que eram museus que estavam sob a tutela do Estado, como os de Coimbra, Viseu, Aveiro ou Évora (a intervenção neste último foi de seis milhões de euros).Ou seja, será justa essa afirmação de PA, segundo a qual “alguns [como ele próprio] acreditaram ser possível” a obra só agora realizada, responsabilizando, no fundo, todos os autarcas que não conseguiram concretizar o que “se impunha há décadas”?2. A história do MRB nestas quatro décadas ficaria, entretanto, marcado por um episódio negro, que PA certamente recordará: o drástico corte do financiamento da CMB (na altura liderada por Jorge Pulido Valente) que, entre outras consequências, levou a atrasos na transferência de verbas para a ADB e para salários dos trabalhadores do MRB. Nem mesmo o esforço dos restantes autarcas, ao reduzirem a comparticipação da CMB no orçamento da ADB de 2012, de 60 para 48,5 por cento, convenceu JPV. A reunião de câmara realizada no dia 4 de abril desse ano aprovou (com os votos contra dos três vereadores da CDU) a descida da verba mensal paga pela CMB à ADB, de 16 mil euros (em 2011), para 4700 euros. Nessa mesma reunião JPV foi confrontado por esses mesmos vereadores da oposição acerca da dívida da CMB à ADB, que seria de 100 mil euros.O título de um artigo do jornal “Público”, dois dias depois, era elucidativo: “Museu Regional de Beja em risco de fechar as portas”. No final, o jornalista Carlos Dias escrevia: “Leonel Borrela, funcionário do museu, acusou a câmara de ter ‘uma atitude indecente’, acrescentando, sem conter as lágrimas: ‘Vocês serão os responsáveis pelo que possa vir a acontecer’”. (https://www.publico.pt/2012/04/06/jornal/museu-regional-de-beja-em-risco-de-fechar-as-portas-24325024).Foi esta decisão da CMB que levou à criação do citado manifesto, assinado, entre outros, por Cláudio Torres, Borges Coelho, António Inverno, João Cutileiro, Eduardo Gageiro, Joaquim Caetano ou Vítor Serrão, e que juntou algumas centenas de pessoas em frente ao museu no início do mês de maio. Santiago Macias, um dos signatários do manifesto e participante nessa concentração, escreveu no seu blogue: “O que eu não percebo é como foi possível chegar a este ponto de risco de encerramento do Museu Regional de Beja. Uma situação absurda e quase ofensiva”. (https://avenidadasaluquia34.blogspot.com/2012/05/em-defesa-do-museu-regional-de-beja.html).3. Se a publicação de PA no Facebook, em 2023, já foi referida em 1., a que foi publicada a 22 de setembro contém duas expressões, no mínimo, infelizes: “Todos empurravam para todos e o museu chegou a um estado de degradação demasiado avançado (…) mais uma situação que se arrastava, sem fim à vista.”Quem são esses “todos”? Os vários presidentes das câmaras de Alvito, Ourique, Mértola, Barrancos e os das restantes 10 que compunham a ADB e que são apontados como os que “empurravam para todos”, arrastando o museu para esse “estado de degradação” ao não realizarem as obras agora a terminar? Pelos vistos, para PA, não lhes bastou ter financiado o funcionamento do museu durante 40 anos!Os vários presidentes da ADB, como (e apenas refiro alguns mais recentes) Carreira Marques (Beja/CDU), Pita Ameixa (Ferreira do Alentejo/PS), António Sebastião (Almodôvar/ /PSD), este que teve de enfrentar a “birra” de Pulido Valente, referida em 2.? Ou o último, Santiago Macias (Moura/CDU), que dirigiu o complexo processo (que acompanhei, como atrás referi) de transferência do MRB, da ADB, que iria ser extinta, a exemplo de todas as outras, para uma outra entidade, que podia ser local (CMB), regional (Cimbal) ou nacional (Ministério da Cultura)?Os 13 presidentes das câmaras que compõem a Cimbal, que geriu o MRB, entre 2014 e 2019, após a conclusão do processo atrás referido?Declarações autoelogiosas acerca de obras realizadas são normais e aceitáveis em responsáveis políticos. Já o mesmo não se pode dizer quando elas contêm frases e expressões pouco rigorosas, pondo em causa o trabalho de anteriores detentores de cargos idênticos. Rigor, reconhecimento, respeito são os três “R” do poder local democrático que se exigem quando se comenta publicamente esse trabalho.

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