Na minha meninice não conseguia perceber por que razão a minha data de nascimento não era igual à data registada no meu bilhete de identidade.
Quando fui buscar o documento não me apercebi logo do erro. Olhei para a fotografia, avaliei a caligrafia da minha assinatura, vi o desenho que o meu dedo fez na tinta, os nomes do meu pai e da minha mãe, o sítio onde eu nasci, a terra onde morava, a minha altura.
Depois, quando os meus olhos leram a data de nascimento comecei a chorar e chamei a minha tia, disse-lhe que a senhora se tinha enganado, que fôssemos lá trocar o bilhete de identidade.
Essa é a data em que foste registado, respondeu-me a minha tia, mas eu não sabia o que era ser registado, eu só sabia que apagava as velas do bolo num dia diferente daquele. Cinco anos mais tarde a data de validade dizia que eu tinha de renovar o bilhete de identidade.
Nessa altura morava nos subúrbios da capital e a solução mais rápida era ir tratar do bilhete ao Arquivo de Identificação na Rua Gomes Freire em Lisboa. Tinha um plano perfeito dentro da minha cabeça e só pensava que me ia finalmente vingar da falta de sensibilidade da senhora da conservatória. Fui buscar o impresso, copiei os dados que estavam corretos e alterei, com profundo gozo, a minha data de nascimento. Não me custou nada estar três horas na fila.
Entreguei o impresso à senhora, ela começou a ler e de repente parou. A data de nascimento está errada, você não pode mudar o dia em que nasceu, faça favor de ir preencher outro impresso com a data correta. Foram mais três horas na fila. Não chorei por vergonha.