Até aos dez anos eu não sabia que as alcagoitas tinham outro nome. Foi numa ida a Lisboa para visitar um primo-irmão do meu pai que eu fiz essa descoberta. Para acompanhar as imperiais e a minha gasosa, esse primo pediu amendoins. Amante das conversas dos homens e dos petiscos aguardei com crescente curiosidade a iguaria que vinha para a mesa. Seria certamente mais um trunfo, mais um bocado de mundo desconhecido e venturoso que eu levava para as minhas conversas de rua e de recreio de escola. Quando vi que os amendoins eram alcagoitas não contive um enorme espanto e confesso que senti alguma deceção e irritação por causa daquela traição. Jurei ali mesmo à mesa daquele café que nunca usaria a palavra amendoins para me referir a uma das palavras mais importantes da minha vida. Quase todas as tardes, depois da escola, ainda a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens estava a décadas de ser criada, eu passava pela taberna do Ti Mira e pedia dez tostões de alcagoitas. Conhecia os homens todos, mesmo sem beber vinho e sem fumar eu era um deles. A minha avó comprou-me uma boina para que não houvesse dúvidas. As mãos do Ti Mira desapareciam atrás do balcão de mármore e ressurgiam com um cartucho de papel cheio de alcagoitas. Sentado num banco de pedra debaixo de uma parreira, ainda o primo-irmão do meu pai não o tinha convidado para ir a Lisboa, ainda o nome não tinha sido distorcido, os meus dentes trincavam cascas e a minha língua separava a pele do fruto. Sempre que passo à porta fechada da taberna do Ti Mira, a minha boca sabe-me a alcagoitas.