Se o epicentro se tivesse localizado junto ao coração os danos teriam sido muito maiores. Como se situou na zona do abdómen apenas senti um tsunami de lágrimas. Os sismos acontecem-me sempre de noite quando as falhas existenciais existentes entre o meu pensamento e a realidade se tocam. É quase sempre a horas mortas que elas geram uma acumulação de pressão que provoca movimentos derrotistas. Os meus sismos duram muito mais tempo do que é habitual, às vezes chegam a durar duas ou três horas, se contarmos com as réplicas é uma noite inteira de sobressalto. Quando senti os primeiros sismos, era eu adolescente, levantava-me e ia pôr-me debaixo de uma luz forte e mantinha uma distância de segurança em relação a pensamentos que pudessem cair ou estilhaçar-se. Na manhã seguinte perguntava se alguém tinha sentido alguma coisa, mas ninguém tinha sentido nada. Já tentei informar-me sobre as causas e os efeitos possíveis destes sismos interiores, mas ninguém quis saber. Eu disse que os meus sismos eram muito frequentes e graves, mas todos abanaram a cabeça e viraram-me as costas. Como fiquei à minha mercê tive de elaborar um plano de emergência. Identifiquei os lugares mais seguros dentro da minha cabeça, identifiquei os lugares mais perigosos dentro da minha cabeça, são tão perto uns dos outros que é costume trocá-los. Descobri que deitar-me debaixo das fotografias dos que me amam é dos gestos que mais me protegem. A minha sorte é que o epicentro deste sismo mais intenso se localizou longe da minha alma, se tivesse sido um pouco mais para dentro de mim talvez eu não tivesse sobrevivido.