Temos de ter paciência, dizia a mulher há três horas à espera da consulta.
Talvez fosse a mais velha na sala, sozinha, franzina, de bengala, aparelho auditivo, óculos graduados, os pés inchados dentro de uns sapatos pequeninos, um saco de plástico cheio de medicamentos, a senha com o número do atendimento na mão trémula. Temos de ter paciência, dizia a mulher a outra mais nova que já se inquietava.
Os médicos e as enfermeiras é que mandam, a gente nada pode fazer, não vale a pena enervar-se, espere mais um bocadinho que já a chamam. Não se apoquente que eu preciso que você seja os meus ouvidos e os meus olhos, estou quase mouca e pouco vejo, dantes havia pessoas que nos vinham buscar, agora é só vozes que vêm não se sabe de onde e televisões com letras que eu não entendo, olhe lá aqui para a minha senha, se aparecer ali o meu número logo me diz, se eles chamarem pelo meu nome logo me dá de vaia, chamo-me Maria Antónia, só Maria Antónia, não me puseram mais nome nenhum, nem ao menos arranjei um homem que me desse o dele, foi menos essa dor de cabeça que eu tive.
Se você for atendida primeiro do que eu tenho de pedir a outra pessoa, se me chamarem e eu não for ninguém vem à minha procura, ninguém me acha menos, já estou habituada. Se calhar já me chamaram mas eu não percebo o que eles dizem, se calhar a televisão já mostrou o meu número mas eu não sei uma letra do tamanho da minha desgraça. Pode ser que ainda consiga apanhar a camioneta da carreira, se tiver de ir de táxi mais a despesa da farmácia lá se vai metade da reforma.
Temos de ter paciência.