Diário do Alentejo

A “meia-laranja”
Opinião

A “meia-laranja”

José Saúde

30 de agosto 2024 - 08:00

Revivendo os costumes que antigamente proliferavam no meio citadino bejense, existe, contudo, a perseverante certeza que raras eram as localidades da região que não usufruíssem de um espaço onde as tertúlias desportivas eram comuns.

A “meia-laranja”, em Beja, circunscrita à então zona nobre da urbe, as Portas de Mértola, era o local favorável para a malta analisar os seus raciocínios sobre várias temáticas, embora o fizesse sob o símbolo da precaução, ou de um outro reparo sobre os esbeltos corpos de miúdas, vestindo minissaias, que faziam do local uma excelente vitrina. Na “meia-laranja”, cravada entre a Ginjinha, onde o senhor Secundino deliciava os fregueses com as célebres carochas, defronte o lendário Café Luís da Rocha e, ao centro, a Papelaria Correia, dissecavam-se pensamentos desportivos que cada um dos figurantes partilhava. Estávamos no mês de agosto, época de canícula, e recordo as horas passadas naquela nostálgica tribuna em que as novidades emergiam em catadupa.

O dia de São Lourenço, 10, data da tourada anual inserida na feira de agosto, apresentava-se como oportunidade para os cavaleiros de elite por lá passarem e exibirem-se a um público que vivia com êxtase a fidalga circunstância, ou os grupos de forcados, moços que faziam jus à sua valentia para enfrentarem, de caras, o touro na arena. A “meia-laranja” era, simultaneamente, a montra para os novos craques do Desportivo de Beja se mostrarem à cidade. Lembro a azáfama por uma ida ao local de “culto” para mirar os astros da bola que viajavam pela velha Pax Júlia.

Pela “meia-laranja” desfilavam também personagens cuja dinâmica desportiva impunham ordem ao povo que delirava com o contexto deparado. Cruzavam-se pareceres, discutiam-se ideais e a diversidade de temas tratados ajustava-se a supostas discussões, mas sempre amigáveis.

Dialogava-se sobre a questão das aquisições, ou da ida do jogador fulano tal para um dos emblemas mais sonantes do futebol lusitano a troco de valores monetários considerados como astronómicos, assim como de estrelas que brilhavam nas modalidades consideradas amadoras. Tempos de enorme respeitabilidade que o pessoal passava na “meia-laranja”. Sim, porque na verdade são tempos idos que jamais voltarão, dado que aquele recanto, outrora afamado, apresenta-se hoje como uma miragem para aqueles que dantes se obsequiaram com infindáveis momentos nos quais as vozes do pessoal, em grupo, confidenciavam de mansinho não fosse a ocasião produzir efeitos negativos.

Recordo, ainda, aqueles instantes em que o roncar dos carros, alterados para pontuais ralis, por ali passavam, presenteando os “mirones” com as suas máquinas, nas quais não poderiam faltar os apetrechados faróis de longo alcance, cujo equipamento tinha como objetivo apurar a condução dos pilotos ao longo dos percursos noturnos. Tempos maravilhosos que aleatoriamente foram tombando para o “éden” das catacumbas!

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