Agosto de 1967. Local de partida: estação de caminho de ferro, em Beja. Na mão, um saco cheio de sonhos. Cinco e meia da tarde e o comboio lá partiu rumo ao Barreiro. Após a chegada, seguiu-se a travessia, em barco, do rio Tejo, sendo que no outro lado da margem as luzes da “capital do Império” iluminavam as águas que davam as boas-vindas aos forasteiros. Ao longo da viagem os sonhos do garoto iam sendo assaltados por cenários estritamente fascinantes.
O “puto”, ostentando uma presumível exposição, via-se cingido a uma etiqueta cujo destino era o Sport Lisboa e Benfica. Havia a informação que alguém, no Terreiro do Paço, faria a receção ao jovem oriundo do Despertar onde, aos 13 anos, se iniciou no futebol; agora, com 16, tinha Lisboa a seus pés. Com o breu da noite a imperar alguém, pelo meio da algazarra, soltou o grito: “És o miúdo que vens de Beja para o Benfica?”. O miúdo retorquiu: “Sim, sou eu!”. O rapazito, algo tímido, reparou que à sua frente estava um jogador que conhecia dos cromos da bola: Ângelo, um dos antigos campeões europeus pelo clube da Luz.
Ângelo Martins treinava, à época, a equipa de juvenis dos encarnados e avançou com a ideia: “Vais jantar e depois levar-te-ei para o lar do Benfica”. No seu carro, um Volkswagen “carocha”, lá partiram Lisboa acima e, já em Benfica, pararam num restaurante para degustar uma ceia, seguindo-se a receção no lar, situado na Calçada do Tojal, onde a dona Otília os recebeu, dando, de seguida, instruções das regras ali existentes.
O sentar e o levantar da mesa das refeições, sempre combinadas com um prato de sopa, um de peixe, um outro de carne e fruta a fechar, obedecia a uma prévia autorização do jogador mais velho.
O Matine, o Kiki, o Malta da Silva, o Calado, o Carmo Pais, o Zeca, de entre outros, eram os condiscípulos do dia a dia, mas estes colocados em divisões separadas. Nesse tempo, os treinos das equipas de formação realizavam-se no pelado de Campo Grande, um espaço onde toda a sua infraestrutura era feita em madeira. Vindos do Leixões estavam o Fonseca e o Praia, já seniores, e o rapaz travou com eles amizade. Houve, evidentemente, a curiosidade de o jovem mostrar, “às sérias”, as suas capacidades, depois de treinar com a equipa júnior. Assim sendo, com o relvado do Estádio da Luz em fase de remodelação, o Benfica utilizava o Estádio Pina Manique para treinos de conjunto e o miúdo lá se integrou entre os monstros sagrados do futebol português, casos do senhor Coluna, Eusébio, Simões, José Augusto, Jaime Graça, Santana, Zé Torres, Cruz, Germano e muitas outras estrelas que cintilavam no palco futebolístico nacional e internacional. Mas as peripécias da vida proporcionaram-lhe que aceitasse uma proposta vinda do Sporting Clube de Portugal.
O seu coração de leão não hesitou e lá marchou a caminho de Alvalade. Histórias iguais à que relato, a minha, conduziram crianças de todo o País aos principais emblemas nacionais, sendo certo que esses sonhos do mês de agosto se dispersaram por fins desiguais. Uns venceram, outros ficaram pelo caminho!