O muro era demasiado alto e tinha pedaços de vidro enterrados no cimento. Do outro lado, uma ameixeira carregada de ameixas chamava por mim e eu não a tirava do sentido noite e dia.
Do meu quintal via como as ameixas arredondavam, como o verão as ia lentamente vestindo de vermelho. Eram ameixas de Santa Rosa, lembro-me de o meu avô dizer. São as melhores.
E acrescentava que o vizinho, um velhaco e um somítico, preferia deixá-las apodrecer na árvore do que fazer a fineza de as oferecer.
Com água na boca por causa de tão belos frutos e guiado por uma sede de vingança por causa de tanta injustiça, decidi que no verão seguinte iria comer todas as ameixas que conseguisse. No dia em que fiz sete anos encostei-me ao muro.
Calculei que mesmo que crescesse um bocadinho até agosto ainda faltaria para aí um metro.
Quando as mãos da Santa Rosa acabaram de abençoar os frutos e os tornaram apetecíveis encostei uma escada ao muro e tapei os vidros com uma tábua de tender. Sabia que a melhor hora seria a seguir ao almoço. Por essa altura estava tudo sossegado, o calor sufocante adormecera os meus avós e o vizinho.
Já do outro lado, por causa dos nervos, o meu coração era um vidro a partir-se dentro do peito.
As ameixas reluziam ao Sol, apanhei uma e comi-a, depois outra, depois outra e outra, o sumo a escorrer pelos cantos da boca. Era o meu sonho, era a minha desforra. Entre as duas e as três da tarde de um dia absolutamente quente comi mais de vinte ameixas.
Ao fim de meia hora, a minha barriga era feita de pedaços de vidro líquido. As dores eram tão grandes que nem a Santa Rosa me valeu.