Conheci-a, já lá vão uns anitos, numa tarde de canícula de um mês de agosto deveras escaldante, cujo objetivo do encontro era trazer às páginas desportivas do “Diário do Alentejo”, então como responsável dessa secção, os projetos de uma jovem atleta que despontava, incontestavelmente, na disciplina da marcha feminina. A apresentação recíproca ocorreu na aldeia de cima, junto à igreja de Nossa Senhora da Graça, em Baleizão.
Na minha frente estava então uma miúda franzina, mas com fibra, de coração enorme e que jamais renegava as suas origens. Disse-me que Baleizão e o Alentejo lhe preenchiam a alma e que em tempo algum esqueceria as suas origens, não obstante representar um clube algarvio, região onde residia com o seu clã familiar. Depois de uma longa conversa e tirar ilações sobre a sua voluntariedade no mundo do desporto que um dia abraçou, perspetivei-lhe, de pronto, um futuro risonho, tendo em conta as marcas já alcançadas, quer a nível nacional, quer internacional.
O tempo passou e o certo é que essa perspetiva se tornou uma feliz realidade, sendo que a sua evolução na carreira é, de facto, explícita numa atleta com alma e coração baleizoeira e sul-alentejana. Ana Isabel Vermelhudo Cabecinha nasceu no dia 29 de abril de 1984, sendo a marcha atlética o seu verdadeiro oásis. Oriunda de um povo que muito labutou pela liberdade, Ana Cabecinha iniciou-se numa modalidade na qual construiu uma carreira verdadeiramente brilhante. A atleta, com 40 anos, representa o Clube Oriental de Pechão, foi há três meses mãe, mas não rejeitou a sua presença nos Jogos Olímpicos de 2024 em Paris, França, nos 20 quilómetros marcha. Usufruiu, igualmente, da honra de transportar o estandarte português na inauguração dos Jogos Olímpicos, ao lado do canoísta Fernando Pimenta. Numa prova conquistada pela chinesa Yang Jiayu, Ana Cabecinha terminou em 43.º lugar (último), recebendo ao longo do percurso uma das maiores ovações da manhã na prova de marcha, tendo em conta o empenho manifestado ao longo do percurso, não abdicando em chegar à meta e nem tão-pouco se importar com o lugar obtido.
O público, instalado nos jardins do Trocadéro e com a torre Eiffel como pano de fundo, ovacionou a marchante portuguesa que não desistiu da heroicidade, mesmo tendo percorrido a última volta praticamente sozinha, chegado à meta após todas as adversárias terem terminado a prova. Fica o orgulho com a carreira de Ana Cabecinha no mundo do atletismo, que leva já 30 anos, ao povo de Baleizão e a um Baixo Alentejo onde nasceram ao longo de décadas excelentes atletas em várias modalidades e que num supremo grito em que se ergue, literalmente, a palavra uníssono, elevaram ao púlpito uma região, tantas vezes esquecida, aos quatro cantos do mundo. Parabéns, Ana Cabecinha, porque tu és uma das nossas grandes referências, embora saibamos que um caminho em que prolifera o sucesso um dia terá o seu fim!