Diário do Alentejo

Hortelã
Opinião

Hortelã

Vítor Encarnação

26 de julho 2024 - 12:00

Adoro hortelã.

Tudo nela é agradável: a cor, a textura, o aroma.

Qualquer quintal que se preze, a par de um limoeiro e de uma leira de salsa e outra de coentros, tem hortelã. À tarde, tenho o hábito de passar os meus dedos por uma folha de hortelã para absorver aquele perfume.

Faço-o com a ternura com que se beija um filho ou faz festas a um cão. Não serei o único a gostar muito do cheiro da hortelã, mas não sei se haverá mais alguém a ter o vício que eu tenho.

O cheiro da hortelã não me transporta a ideias de chás ou bebidas refrescantes ou enfeites de aperitivos, essa fragância leva-me a um único destino sensorial: ao cozido de grãos.

Há um filtro no meu cérebro que me encaminha imediatamente para um dos pratos mais admiráveis da gastronomia alentejana. Quando os dedos ébrios se aproximam do nariz fecho os olhos.

Ponho a terrina sobre a mesa, tiro o pão do talego, corto fatias fininhas, aconchego-as na terrina, disponho-as em camadas de miolo e côdea e contentamento, a minha avó ou a minha mãe ou a minha memória põem a carne de porco numa travessa, bocadinhos de toucinho caseiro que ficarão para o fim para barrar o pão, a linguiça, a chouriça, o grão.

Enquanto o caldo ferve vou ao quintal, apanho um ramo de hortelã, passo-o por água e saudade, separo as folhas e ponho-as em cima do pão. As folhas de hortelã são flores verdes no meio de um campo de trigo. A minha avó ou a minha mãe ou a minha memória deitam o caldo para cima das sopas, deitam o caldo para dentro do mais fundo de mim.

Pego no garfo e na colher e como tudo o que a saudade me pede. 

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