Diário do Alentejo

Não somos nada
Opinião

Não somos nada

Vítor Encarnação

06 de julho 2024 - 08:00

Sempre que alguém morre e nós vamos ao velório, guiados por um misto de solidariedade e de fatalismo, temos o hábito social, marcadamente cultural de dizer que não somos nada nesta vida. Não conheço nenhuma situação, não sei de nenhum funeral, em que esta afirmação, complementar às exéquias fúnebres, tenha sido refutada, sequer debatida. Se há frases absolutamente adequadas e indiscutíveis, esta é uma delas. Há, perante o momento dessa morte, nessas poucas horas a seguir, uma necessidade de procedermos a um desabafo coletivo em que assumimos que afinal não passamos de meras insignificâncias face à voragem do tempo e nos rendemos sem apelo nem agravo a uma lei superior e implacável. Aproveitamos os velórios para fazermos parte de uma sensibilidade comum e para ficarmos bem com a nossa consciência, sentimos até uma espécie de conforto partilhado. Mas poucas horas depois já esquecemos essa experiência e regressamos a uma rotina em que, por uma questão de sanidade mental e de instinto de sobrevivência, a morte não tem lugar, muito menos a noção de sermos todos demasiado vulneráveis e passageiros. Quando dizemos que não somos nada, estamos apenas a dissimular o nosso contentamento por estarmos vivos e não se prever de nenhuma forma a nossa morte. Quando o dizemos não o sentimos verdadeiramente, porque se o sentíssemos não precisávamos de esperar por outro velório para voltar a pensar nesta coisa complicada que é viver antes de morrer. Acho que para equilibrarmos o fim e o princípio, devíamos dizer uns aos outros quando alguém nasce: somos tudo.    

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