É bonito ver o dia a nascer sem mácula, a luz a crescer em pequenos solavancos de horizonte, o Sol a abrir lentamente a porta da noite, depois a escancará-la, o céu a despir-se do negro noctívago e a escolher um azul matutino que fique bem com os lábios da aurora. É bonito ver a lua, esse bicho lucífugo, a ser engolida pela claridade e a morrer como se se tivesse entornado. Quando o dia nasce brilhante, repentinamente transparente, é mais fácil acordar e encarar o mundo, é mais confortável olhar pela janela e não sentir tanto peso dentro dos olhos, parece que tudo flui melhor, parece que o céu existe mesmo e é para lá que nós vamos nestas manhãs absolutamente lúcidas. Mas a beleza não tem de aparecer já nua, sabe melhor uma certa distância, um pouco de mistério, coisa opaca, vestido turvo a cobrir as formas do céu envergonhado, horizonte baço a tapar a suprema fonte da luz, o ventre da diafaneidade. É bonito ver o dia nascer manchado de cinza, o peso lá fora igual ao que temos dentro dos olhos, o mundo todo a acordar lentamente, à espera de se clarificar, tal como nós. É bonito imaginar o Sol a ser incapaz de brilhar, fechado na casa das nuvens, a ser engolido pela névoa e a sufocar como se se tivesse engasgado de bruma. E apenas depois, já a manhã vai longa, as portas das nuvens, rangendo de silêncio, entreabrem-se e deixam passar uma pequenina pupila de luz, um rasgo de claridade, uma semente de alvor tardio. Também é bonito ver a manhã a despir-se devagarinho e a mão do Sol, com tempo, a tirar-lhe o vestido turvo e a vesti-la de um azul perfeito.