Diário do Alentejo

Fotografias
Opinião

Fotografias

Vítor Encarnação

28 de abril 2024 - 12:00

As fotografias são pedaços de mundo para comermos mais tarde. O fotógrafo é uma formiga que acha e carrega instantes perdidos e miolos que se soltaram do fermento do universo. Ata-os aos molhos com os olhos e leva-os a tiracolo por um carreiro de passos solitários. Um fotógrafo é por natureza um desalinhado, um garimpeiro, um egoísta, um caçador furtivo. Descobre migalhas de fulgor onde mais ninguém as vê, rouba eternidades ao efémero, arranca ilusões das próprias raízes da realidade e filtra gritos até que só já haja silêncio e consegue que nesse mesmo silêncio de papel todos os gritos se ouçam. Quando o fotógrafo revela, revela-se, dá-nos os mapas parados de todos os movimentos do mundo e mostra-nos que é com mecanismos de sensibilidade e luz que eles se animam. Numa fotografia limpamos o pó que cobre a memória, sentimos o arrepio do deleite em curvas de carne, brincamos com a infância que volta, olhamos o sol que se mete no mar para aquecer os peixes durante a noite, perpetuamos a amizade num abraço, vemos o passado a olhar-nos de frente e a perguntar-nos se valeu a pena termos chegado aqui, seguramos na mão as chamas de um fogo a dois que o tempo congelou em temperaturas de papel acetinado-mate. Uma fotografia é um beijo dado com os olhos. É um furto qualificado, uma dentada no quotidiano, um poema que a vida diz a todo o instante, mas que só alguns conseguem sentir vividamente. O fotógrafo é o tradutor desses poemas vivos, é o intérprete dessa magnífica linguagem de captura e de liberdade. 

Comentários