Conheço um homem que saiu de casa e de repente a sua vida caiu e partiu-se. Ninguém imagina o que é sentir uma vida tão nova a partir-se de repente numa estrada com bermas cheias de flores. E esse homem estava sozinho quando o alcatrão e a terra o prenderam à absoluta dor. Ninguém imagina o que é estar inerte e esperar que venha alguém, esperar que tudo seja mentira, um susto, esperar que dali a nada se consiga levantar. Há dias que mudam vidas e depois desses dias, durante tanto tempo, é sempre de noite dentro da alma. Conheço um homem que combateu essa noite eterna, acendeu uma luz, primeiro pequenina, depois maior, mais clara, mais intensa, como fazem as madrugadas quando se nasce outra vez. Este homem quis nascer de dentro dele, de um ventre de ânimo e de esperança e de resistência. Conheço um homem que mesmo sem se conseguir levantar levantou-se, terá chorado ao encarar o mundo, sabia que tinha de reaprender tudo de outra forma, de redefinir projetos e sonhos, sabia que não podia vacilar de cada vez que acordasse. Conheço um homem que não se deixou ficar naquela estrada com bermas cheias de sangue, outros ficariam imóveis para sempre, entregues à desventura, mas ele não aceitou as cruéis regras da fatalidade e reescreveu o seu destino. Levantou-se com as mãos, os braços, os abraços, os olhos, o sorriso, os amigos, a profissão. Este homem já foi ao fundo do mar, ao azul do céu, já subiu montanhas, já cruzou os ares. Este homem é mais vertical do que muitos que eu conheço. Aliás, não conheço um homem tão inteiro como ele.